No Dia do Amigo, celebrado no dia 20 de julho, as histórias de amizade que, de formas diferentes, nos ensinam sobre lealdade, empatia e o valor das conexões serão a maneira de abordar esse vínculo tão importante na vida das pessoas. Histórias autênticas de amizades que resistem ao tempo e que lembram da força que esses laços têm, independentemente das circunstâncias.
Quarteto Pé na Estrada: 40 anos de amizade, cumplicidade e café
Mirian Zolet, Carla Mello, Elza Bach e Valéria Mari se conheceram há mais de 40 anos, em grande parte por meio do ambiente de trabalho em uma instituição financeira. Três delas trabalharam juntas por décadas, enquanto a quarta entrou no grupo por ser esposa de um colega. Desde então, mantêm uma amizade sólida e constante.
Logo nos primeiros encontros, Mirian e Carla, que compartilharam a história com a reportagem, sentiram algo especial.
“A gente já se conectou como se fôssemos irmãs de outras vidas”, descrevem.
Essa conexão inicial se estendeu ao restante do grupo, criando uma rede de apoio sólida. As afinidades foram descobertas ao longo dos anos, e as diferenças também: cada uma com sua personalidade única, mas todas conectadas por um mesmo propósito manter viva a chama da amizade.
A amizade foi construída lado a lado com a vida. Elas tiveram filhos na mesma época, conciliaram as demandas familiares e profissionais, e fizeram disso um motivo a mais para estarem juntas. Reuniões de sexta-feira com as famílias, viagens em Páscoas que duraram por 10, 15, até 20 anos, tudo compartilhado, dos grandes momentos aos pequenos prazeres do cotidiano.
Durante os anos de trabalho e após a aposentadoria, seguiram cultivando o vínculo. Criaram o grupo “Pé na Estrada”, com o qual fazem passeios regulares e viagens de um dia ou mais, incluindo destinos como Vale dos Vinhedos, Nova Veneza, Torres e Gramado. Têm como hábito se reunir para cafés quinzenais ou semanais, mesmo que nem sempre todas possam comparecer.
O grupo, agora devidamente apresentado com suas quatro integrantes, Mirian, Carla, Elza e Val, é uma mistura harmoniosa de personalidades. Mirian, a faladeira e alegre, mantém o clima leve com seu bom humor constante. Carla, a objetiva e organizada, cuida da logística de viagens e passeios. Elza, quieta, mas certeira, é quem fala pouco, mas com profundidade. E Val, a dançarina e festeira do grupo, exala uma alegria de viver contagiante.
Essas diferenças, longe de afastá-las, tornam o grupo ainda mais unido.
“Quando uma tá bem, a outra tá bem. Quando uma tá ruim, a outra tá ruim. E assim a gente vai levando a nossa amizade por mais 40 anos”, comentam entre risos.
A vida social do grupo é ativa e cheia de histórias. O último passeio, por exemplo, aconteceu literalmente um dia antes da entrevista, em um café chamado Galópolis, uma experiência deliciosa, segundo as amigas. Mas o histórico de viagens e escapadas é vasto: Gramado, Nova Petrópolis, Caminhos de Pedra, Vale dos Vinhedos, Flores da Cunha, Lajeado, Santa Catarina, Nova Veneza, Torres, Arroio do Sal… a lista é longa e recheada de bons momentos.
Nas temporadas de verão, o grupo tem um “QG” na casa de praia da Mirian, onde passam uma semana só entre elas — os maridos chegam depois. Uma tradição que preservam com carinho. Normalmente, fazem bate-voltas de um dia, mas há planos de viagens mais longas sendo discutidos.
E como todo grupo bem organizado, há até uma divisão de preferências: algumas querem destinos de frio, outras preferem o calor. Buenos Aires está na mira, mas há negociações a fazer. Com bom humor, sugerem até fazer uma lista de prós e contras para definir o próximo roteiro.
Uma terapia sem divã
Mais que amigas, são um suporte emocional real. Compartilham momentos de tristeza, perdas familiares, doenças e os desafios do dia a dia. Para Mirian, por exemplo, que cuida da mãe com Alzheimer, as amigas são base fundamental.
“Se eu não tivesse elas como suporte, seria tudo muito pesado”.
Carla também expressa a importância do grupo na fase do “ninho vazio”.
“Às vezes me pegam meio caída, e é nelas que eu busco apoio”.
É uma amizade que se transforma em uma espécie de casamento, um compromisso profundo, sustentado pela presença constante e pelo entendimento mútuo.
Com um olhar crítico e maduro, o grupo também reflete sobre como a amizade tem mudado ao longo das gerações.
“Hoje, com as redes sociais, as pessoas estão muito individualistas”, comenta uma das amigas.
Elas entendem que o contato virtual pode até criar uma sensação de proximidade, mas não substitui o abraço, o olho no olho, o carinho físico.
E destacam: é preciso querer muito para manter uma amizade. É preciso esforço, disposição e, muitas vezes, deixar o celular de lado para simplesmente estar com o outro.
Laços que Curam: amizade como remédio e continuidade de cuidado
Helena Edith Barcelos Borges, 94 anos, vive há mais de nove anos em um lar para pessoas idosas, onde recebe, todas as quartas-feiras, a visita de amigas de longa data. A relação entre elas ultrapassa três décadas de convivência. E para contar essa história, além de Helena, estiveram presentes Maria Dolores, Rosa Festugato e sua filha, Luciane Festugato. Todas amigas de Helena.
Essa amizade começou ainda nos tempos em que Helena dividia um apartamento com Elidia, a avó de Luciane. Desde então, tornou-se presença constante em jantares, almoços de família e aniversários. O vínculo, moldado pela convivência e pela espiritualidade, é descrito com afeto e admiração por quem compartilhou tantos momentos ao seu lado.
“Faz mais de 30 anos que nos conhecemos. A gente se conheceu no Centro Espírita, onde todas nós trabalhávamos. Helena era responsável pela livraria do centro e já era conhecida e querida por todos. Toda semana a gente vai pro centro, e todo mundo passava pela Helena. A livraria era o ponto de encontro, ela estava sempre com cinco pessoas ao redor, conversando, ”, compartilharam as três enquanto se complementavam para contar a história. ”
Com o passar do tempo, os sinais de demência começaram a surgir, inicialmente notados pelas amigas no trabalho de Helena com o dinheiro da livraria.
“Foi aí que a gente levou ela ao geriatra e veio o diagnóstico. A gente marcou, levou… tudo com muito carinho.”
Esse diagnóstico coincidiu com um período extremamente delicado: o filho de Helena, seu único familiar próximo, adoeceu e acabou falecendo. Ela própria também chegou a ser hospitalizada.
Nesse momento crítico, as amigas tomaram a frente para garantir que Helena não estivesse sozinha nem desassistida.
“Nos dividimos para cuidar dos dois no hospital. Quando ele faleceu, ela já estava com início de demência. Pensamos: o que vamos fazer com a Helena agora?”
Foi graças à mobilização delas, e com o apoio de Leia, então presidente da instituição, que uma vaga emergencial foi conquistada em um lar de idosos, local onde Helena reside até hoje, o Lar da Velhice São Francisco de Assis.
“Foi uma decisão difícil, mas sabíamos que ela seria mais bem cuidada aqui do que com qualquer cuidadora em casa. Aqui ela é muito bem tratada, o melhor lar da cidade, sem dúvida. Eu mesma queria vir pra cá quando precisasse”, disse Rosa.
As datas comemorativas também não passam em branco. Todos os anos, o aniversário de Helena é celebrado no lar com direito a torta para todos. “Ela faz parte da nossa semana, da nossa rotina”, dizem, referindo-se à Helena como parte integral da vida delas, mesmo em novos formatos.
As lembranças da época em que Helena morava com a sogra de uma das amigas continuam vivas, “foi a herança que a Elidia deixou”, brincam com ternura. E apesar das dificuldades impostas pela memória fragilizada, Helena ainda reconhece essas relações profundas e afetivas, lembrando com carinho de quem fez parte da sua caminhada.
Helena, apesar de não ter feito muitas amizades dentro da instituição, mantém contato com os profissionais e se envolve em algumas atividades. As amigas destacaram a importância de manter os vínculos ativos e notaram que, para alguns moradores, como Silvio, que vive há décadas no lar e não recebe visitas, a ausência de laços sociais tem impacto na rotina.
Assim como uma flor precisa de atenção para florescer, a amizade, quando não cultivada, pode murchar. A conversa entre as amigas de Helena deixa claro que elas não estão dispostas a deixar esse laço se perder.
“Se a gente não faz o esforço de mandar mensagem, ligar, combinar um café, um almoço, a amizade acaba esfriando e se vai”, disseram.
O gesto de visitar, de estar presente, ainda que uma vez por semana, carrega uma força simbólica e afetiva enorme — tanto para quem visita, quanto para quem é visitado.
Helena, sempre sorridente e bem-humorada, expressa sua gratidão com palavras doces e espontâneas: “Eu sou muito agradecida a Deus por isso”. A resposta vem com carinho imediato: “Nós também gostamos”. É um ciclo de afeto que se retroalimenta. Ao redor da mesa, entre cafés e pedaços de bolo, está muito mais do que uma rotina de visitas, está a prova viva de que vínculos verdadeiros resistem ao tempo e às transformações da vida.
Quando a amizade é essencial para a saúde mental
As histórias do “Pé na Estrada” e de Helena trazem algo em comum: mostram que amizade não é luxo, é necessidade humana. A psicóloga Júlia Stalliviere nos lembra que uma amizade saudável é recíproca, imperfeita e profundamente humana.
“Amigos também vão brigar, se desentender e ter conflitos, e isso não significa que deixaram de ser amigos”, explica.
Para Júlia, a amizade é um vínculo baseado na identificação e que exige maturidade emocional. O ideal de perfeição nas relações pode ser ilusório: o que sustenta uma amizade ao longo do tempo é o respeito, os limites claros e o reconhecimento do tempo e das dores do outro.
“Quando dizemos aos nossos amigos até onde eles têm liberdade conosco, estamos enfatizando o quanto queremos que eles permaneçam em nossas vidas”, afirma.
A amizade tem impactos profundos na saúde mental — ela nos ajuda a desenvolver habilidades sociais, senso de pertencimento, empatia e cidadania. Em um mundo que muitas vezes valoriza o individualismo, o vínculo genuíno entre amigos é resistência afetiva.
E é importante lembrar: não se trata de ter muitos amigos, mas de ter pelo menos um vínculo verdadeiro, construído com afeto, reciprocidade e presença. Porque nada substitui o abraço, o café partilhado, a escuta silenciosa ou a gargalhada que começa no carro e só termina em casa.
Essas duas histórias são retratos vivos da amizade em sua forma pura: a que atravessa o tempo, a dor, a rotina e até mesmo a ausência. Elas nos lembram que manter uma amizade exige esforço, vulnerabilidade e cuidado mútuo. Mas o retorno é imensurável: sentido, pertencimento, memória, companhia. E, por fim, não se mede em frequência, mas em presença.