No dia em que se comemoram os 76 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentou o dever de reconhecer e retificar o assento de óbito de todos os mortos e desaparecidos vítimas da ditadura militar reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).
“É um acerto de contas legítimo com o passado”, afirmou o presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, nesta terça-feira (10/12), durante a 16.ª Sessão Ordinária de 2024.
Na causa mortis dessas pessoas, passará a constar a informação de “morte não natural, violenta, causada pelo Estado a desaparecido no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política no regime ditatorial instaurado em 1964”.
O Ato Normativo 000549697.2024.2.00.0000 do CNJ foi relatado pelo ministro Barroso e acatado de maneira unânime pelo plenário do CNJ. A iniciativa foi proposta pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e apontada pelo ministro como simbolicamente muito importante.
“Vivemos a partir de 1964 um golpe de Estado no Brasil. As pessoas questionam o termo golpe, mas esse é o nome que, em ciência política e na teoria constitucional, se dá à destituição do presidente da República por um mecanismo que não esteja previsto da Constituição”, disse.
Segundo ele, a medida alivia, de certa forma, a dor dos sobreviventes e das famílias que sofreram com a perseguição política que se seguiu ao golpe. O corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, também ressaltou que a medida é um importante resgate da verdade sobre o que se passou nesse país.
Mudanças em certidões de óbito
O assento de óbito é lavrado pelo oficial do registro civil após a declaração do óbito, para comprovar o falecimento de uma pessoa. De acordo com o texto aprovado, as lavraturas e retificações dos assentos de óbitos durante a ditadura serão baseadas nas informações constantes do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV). As informações da CNV estão sistematizadas na declaração da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
A ministra do MDHC, Macaé Evaristo, afirmou que a decisão reaviva a importância da Comissão da Verdade, criada há 13 anos, para investigar as violações de direitos humanos ocorridas à época.
“É pelo direito das famílias durante a ditadura militar que estamos dando um passo de cura, de reafirmar a democracia, de insistir que todos têm direito à verdade, e todas as instituições democráticas precisam ser defendidas”, declarou.
O ex-deputado federal Nilmário Miranda, que idealizou e propôs a criação da Comissão da Verdade, afirmou ser, hoje, um dia histórico. E celebrou a retomada de uma “pauta de memória, verdade, reparação e justiça”.
A presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, procuradora da República Eugênia Gonzaga, relembrou que esteve presente na identificação de corpos de mortos pela ditadura e que as retificações vêm sendo feitas desde 2017, de maneira administrativa. Dos 434 casos de mortes e desaparecimentos confirmados pela comissão, foi possível concluir a retificação de apenas dez assentos de óbito administrativamente.
Ainda assim, nesses documentos, não constavam a data e a causa da morte. Constava apenas a observação sobre a Lei n. 9.140/1995, que reconhece como mortas as pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988.
“Isso sempre foi muito ofensivo. Resolvia problemas burocráticos, mas não reparava, não dizia a verdade”.