O capital com escrúpulos

Tem dias em que acende uma luzinha piloto pra devolver a minha fé na humanidade. É o caso dos dois movimentos coletivos oriundos de grupos poderosos no sentido de nos devolver um pouco de racionalidade sobre o “estado das coisas”. Falo do boicote publicitário ao Facebook e da pressão sobre o Governo brasileiro para que se posicione contra o desmatamento da Amazônia.

Ora, não me venham com aquele papo de que a amazônia é nossa e os outros não tem que se meter. Ah é? Estamos desprezando a força de um conjunto de fundos de US$ 4,3 trilhões quando o Brasil tanto precisa de investimentos externos? Com certeza não.

É verdade que o governo atual não tem culpa pela invasão dos últimos 40 anos. Mas também é verdade que os militares do período pós 64 estimularam a ocupação da Amazônia. Crescer e expandir é próprio do ser humano. Mas há que se ter cuidado. Incentivar grileiros, fazendeiros em detrimento de cuidados mínimos com populações indígenas e com o meio ambiente são responsabilidades de um governo. Mas os sinais aqui são ruins. Não se dá bola, se tenta passar “de baciada” leis infraconstitucionais. Então, é preciso que saibam: não vai ser impunemente.

Cada medida tem consequência de complexidade muitas vezes ignoradas até a hora do repuxo. Bolsonaro e seus seguidores precisam saber que o Brasil assim como a aldeia global já não gira como nos anos 70. O acesso à informação está universalizado e estamos sendo observados – aliás os satélites indicaram que nunca houve um mês de junho com tanto desmatamento.

O próprio Mark Zuckenberg ficou US$ 60 bilhões de dólares menos rico em 48 horas quando o movimento “Stop Hate for Profile” conseguiu sensibilizar anunciantes globais como a Coca Cola, Unilever ou Adidas aderirem ao boicote. A turma do Facebook lavava as mãos mesmo sendo canal de disseminação preferencial de ódio por grupos articulados. Precisou doer no bolso para uma postura nova e mais responsável.

Tanto as redes sociais e seu uso de alcance ainda não totalmente compreendido, quanto o surgimento de uma direita pró-ativa e provocativa, mudaram as relações na política nacional. Até pouco tempo atrás só os partidos/simpatizantes de esquerda pareciam ter direito a sustentar suas teses. A direita se insurgiu. Veio com tudo e invariavelmente passou do ponto ao defender sua visão de mundo.

É preciso compreender que defender costumes conservadores ou liberdades na economia pressupõe que a sociedade não vai tolerar retrocessos como o ataque a minorias ou a destruição de avanços sociais que o país tanto lutou para ter. Certamente existe espaço para que se discutam teorias econômicas e modelos de governo sem a apelação que temos visto, seja à esquerda, seja à direita.

Enfim, se não for pelo instinto de sobrevivência, nem pelo amor/empatia ou pelo poder, vamos nos corrigir na marra: pela pressão impiedosa exercida pelo capital que, desta vez, está ao lado dos bons princípios.