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Calamidade pública acende alerta para risco de descontrole de gastos no RS

Reconhecimento permite flexibilização de regras orçamentárias, mas alterações devem estar relacionadas ao evento climático e seus efeitos

Calamidade pública acende alerta para risco de descontrole de gastos no RS. (Foto: Luiza Fim / Grupo RSCOM)
Calamidade pública acende alerta para risco de descontrole de gastos no RS. (Foto: Luiza Fim / Grupo RSCOM)

Com a situação de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional no último dia 20, o governo do Rio Grande do Sul e as administrações municipais das cidades atingidas pelas chuvas (o número só cresce) entram, até o fim de 2024, em uma espécie de regime especial no que diz respeito a regras orçamentárias. Isto porque o estado de calamidade permite uma série de flexibilizações nas restrições que são impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) quanto ao atingimento de metas fiscais, limitação de empenho, contratação e aditamento de operações de crédito, recebimento de transferências voluntárias e concessão de benefícios tributários.

Especialistas na análise de contas públicas, contudo, assinalam que, apesar de as flexibilizações terem o objetivo de ajudar a manter as contas equilibradas em um cenário no qual a destruição tende a gerar queda de arrecadações combinada a necessidade de maior aporte de investimentos para recuperação, o estado de calamidade não dá licença para descontrole de gastos.

As regras a serem observadas sobre destinação de recursos são rigorosas. E, como 2024 é ano eleitoral, os gestores devem estar ainda mais atentos aos riscos de incorrerem em práticas vedadas pela legislação. A indicação é para que os administradores observem como parâmetro o ano de 2020, quando ocorreram as últimas eleições municipais e o país inteiro funcionava dentro do estado de calamidade pública em função da pandemia do coronavírus.

“Tudo o que foi decidido nas eleições de 2020 serve de balizador. O Estado passa por uma situação de calamidade e as flexibilizações estão previstas em detalhe na legislação. São absolutamente viáveis, desde que não ensejem promoção pessoal e, muito menos, sangria das contas”, adianta o advogado eleitoralista e presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral (Cede) da OAB/RS, Roger Fischer.

Conforme o auditor Filipe Leiria, que preside o Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado, é fundamental que sejam bem atestados os nexos de causalidade entre o evento climático e a necessidade do gasto, tanto no que se refere ao objeto quanto a temporalidade. “Já sobre a questão fiscal, em linhas gerais, pode-se projetar aumento dos gastos dos municípios, com a ressalva de que parte dos recursos virá de repasses da União, e queda da arrecadação. É precipitado, contudo, precisar, neste momento, qual o impacto desta combinação para o Estado”.

Destruição vai engrossar lista de argumentos do governo para renegociar RRF

A destruição gerada pelas chuvas que seguem atingindo o RS, e que alcança desde parte das produções agrícola e industrial até o setor de serviços, além das dificuldades logísticas que passaram a enfrentar as regiões afetadas, deve se somar ao rol de argumentos que o governo do Estado vem utilizando na tentativa de renegociar os termos de sua adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF).

O RRF é o modelo de renegociação da dívida idealizado pela União que teve a adesão do RS concluída em junho do ano passado, após negociações iniciadas na gestão do ex-governador José Ivo Sartori (MDB). Polêmica desde seu início, a adesão ao regime foi classificada pela primeira administração Eduardo Leite (PSDB) como a solução possível para o equacionamento dos problemas financeiros do Estado e, até o início deste ano, o Executivo anunciava o ajuste nas contas como uma de suas realizações. Contudo, em 2023, já antes dos eventos climáticos extremos que atingiram o RS, a administração estadual havia passado a pleitear uma renegociação dos termos, sob o argumento de que as condições em vigor são muito duras e que, seguindo-as, a dívida vai se tornar impagável em um período de até cinco anos.

Apesar de se somar a argumentação em curso, o estado de calamidade, por si só, não altera as exigências do RRF. “A Lei Complementar 159/17 (que instituiu o regime) e suas alterações não trazem qualquer previsão referente a situações/eventos de calamidade. Por isso, a não ser que ocorra uma revisão, o Estado precisará seguir cumprindo o que o contrato estabelece em termos de metas e restrições” adianta o auditor Josué Martins, vice-presidente para a região Sul da Federação Nacional das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil.

*As informações são de Correio do Povo