Opinião

A lei é para todos

Desde os primeiros bancos acadêmicos, ouvimos esse jargão, que é mais um mantra do que uma realidade concreta

Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)
Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)

Desde os primeiros bancos acadêmicos, ouvimos esse jargão, que é mais um mantra do que uma realidade concreta. Existe até um dispositivo na Constituição Federal que diz isso textualmente: “todos são iguais perante a lei” (artigo 5.°, “caput”); e mesmo nós internalizamos essa ideia de que a lei é para todos e é igual.

É mesmo? Bem que para alguns desejaríamos condenações sumárias (desde que o acusado não seja um dos nossos obviamente). Na prática, com muita sinceridade, precisamos admitir que há uma tendência, em todos nós, de, em algum momento, pactuarmos com o direito penal do inimigo, julgando e condenado sem processo, sem defesa e até sem conhecer amiúde o caso. Isso não é uma crítica: é uma constatação.

Às vezes, penso sobre o que devo ensinar aos meus alunos do Curso de Direito: dali sairão advogados, juízes, promotores de justiça, enfim, pessoas que irão atuar nos mais diversos ramos da Ciência Jurídica.

Devo ensinar que, para aos amigos, se exige o devido processo legal, conforme a lei, e que, para os inimigos (inimizades, não raro, forjadas) da sociedade, vale qualquer coisa? Qualquer atropelo serve? Se a prova for viciada ou se for suprimida alguma garantia fundamental do acusado, devemos também pactuar com elas?

Se, como “fiscal da lei”, não fiz isso, como advogada também não faço (igualmente, não vendo facilidades, mas trabalho árduo e incansável na luta pela aplicação de uma lei igual para todos), não posso fazê-lo como professora.

Enfim, não posso ensinar dois tipos de direito penal e de processo penal, um para os bons (os meus bons) e um para os não tão bons ou extremamente errados e maus (aos olhos de muitos). A defesa que se oferece a um deve ser, também, a defesa que se oferece e se respeita para o outro. Feito isso, punir – e punir bem – é absolutamente necessário e civilizatório. Imperioso que o Estado o faça, na luta contra a vingança privada.

Mas o estado de direito significa ter direitos oponíveis ao Estado, e eles não podem ser só um simulacro constitucional, pena de se legitimar um estado de direito seletivo e dos amigos, é dizer, um pseudoestado de direito, ao admitirmos que o Poder (e até o achismo) se sobreponha ao próprio Direito que queremos só para alguns.

Quando dizemos que a lei é igual para todos devemos não apenas querer que assim seja, mas, também, zelar para que assim seja, lembrando que os Estados Totalitários não fizeram ou fazem o que querem com as pessoas (até as trata como objetos, o anti-humanismo) senão em virtude de uma lei falaciosamente para todos.

Por isso, não se pode admitir que os direitos fundamentais e garantias sejam apenas de tinta e papel, sem respaldo na realidade concreta. Só a concretização desses direitos e garantias fundamentam a legitimidade do Estado em punir e punir bem.