Comportamento

Por dentro dos muros: o dia a dia de um agente penitenciário no Apanhador

Foto: Schaiane Sacramento/Grupo RSCOM
Foto: Schaiane Sacramento/Grupo RSCOM

O Grupo RSCOM segue com a série de reportagens sobre a Penitenciaria Estadual de Caxias do Sul (PECS). Após os relatos do funcionamento e da estrutura predial e laboral da casa, a reportagem ouviu Paulo de Tarso de Oliveira, de 48 anos, Policial Penal no Apanhador desde 2009, um ano após a sua abertura.

Paulo falou sobre os anos como agente da Susepe, os medos e o que ele pode acompanhar, de perto, sobre a evolução, ou não, do sistema carcerário do Rio Grande do Sul. Em quase meia hora de conversa, Oliveira abriu o jogo para a reportagem e falou, entre outras coisas, que não frequenta determinados locais por conta de seu trabalho.

Ele conta que começou a trabalhar no Apanhador em 2009 e ficou até 2013. Após um tempo em outras unidades, acabou retornando a PECS, em 2018. Ele comentou que a rotina é mesma desde sempre, uma conferência dos presos pela manhã, o acompanhamento de apenados para consultas judiciais, ou de saúde, e o atendimento a quem vai ao local.

O agente diz que o trabalho é apenas um “Dar o que é direito, e cobrar o que é de dever”. Fora isso, não há qualquer contato com os apenados fora da cadeia.

Ele também lembrou o único motim que ocorreu no Apanhador. Em 2011, houve uma troca no comando da PECS, passando da Susepe para a Brigada Militar. O caso ocorreu após a divulgação de imagens de agressões a apenados.

Conforme Oliveira, havia diversas proibições aos presos quando a penitenciaria foi inaugurada. Ocorre que, com a chegada da BM, houve uma certa flexibilização em alguns protocolos. Quando a Susepe voltou para assumir o comando, houve o problema.

“Os presos não queriam, o uniforme não era mais obrigatório, eles tinham o dia todo de pátio, e aí chamaram o sistema de opressor, e houve a rebelião, em duas galerias. Quebraram as portas, saíram para o pátio. As forças de segurança vieram para cá, imprensa e tudo mais. Haveria uma solenidade com a governadora da época para a passagem do comando. Voltamos, mas não foi fácil”, disse.

Ele diz ter ido até as galerias e encontrado um local totalmente depredado. Porém, com muita conversa, foi possível contornar a situação.

Paulo também falou sobre uma mudança no perfil do presidiário nesses últimos anos.

“Quando eu comecei, não existia facções no Rio Grande do Sul. Então, ocorria que cada preso era por si. Eles não tinham uma liderança a quem recorrer dentro dos presídios. Cada preso era por si e agia como achava que era correto. Ele entrava no presidio e já tinha uma arma artesanal. Dava de cara com outro que havia matado o seu irmão na rua. Era muita briga generalizada. Era muito complicado trabalhar na época”, disse.

Ele diz que hoje, existe uma paradoxo. Por mais que as facções – há duas declaradas na Serra, Os Manos e Os balas na cara – trouxeram um sentimento, e uma realidade, de insegurança da Serra Gaúcha, dentro da penitencia há uma hierarquia, um respeito e um comando. O que, de certa forma, auxiliou no trabalho. Ele diz que as saídas do presidio são apenas por questão de saúde e não mais para atendimento médico devido a agressões.

Para ele, é importante que se combata a drogadição dentro dos presídios. Ele elenca quatro pilares para serem trabalhados dentro da instituição: o trabalho, a religião, o tratamento pessoal e combate a drogadição. Assim, casos como o de drones que levam drogas para dentro do pátio ou visitas que tentam entrar no local com entorpecentes diminuiriam.

Ele contou que já teve casos de pessoas que tentaram entrar com drogas no Apanhador das mais variadas formas: desde a costura de roupas, passando por comidas e, até mesmo, cocaína dentro de rolos de papel higiênico. Ele também comentou que sempre haverá novas formas e tentativas de levar drogas para dentro das celas e que o trabalho de revista é sempre aprimorado com as novas descobertas de artimanhas dos detentos e visitantes.

O agente também falou sobre o estresse do trabalho e de como isso impacta na sua vida pessoal. Paulo relatou que é preciso separar as coisas. Ele diz que apesar de hoje ser um cara brincalhão, e que entende melhor a situação, já passou por problemas com isso.

“A pessoa tá mal em casa, tá brigado com a esposa, né? O serviço é estressante realmente, e o cara vai lá e compra um Marea. Aí não dá né? Aí complica! (risos). Mas, brincadeiras a parte, eu fui um cara muito estressado, levei muito pra vida pessoal. Eu criei ulcera, enxaqueca, tive que tomar remédio controlado para baixar a adrenalina. Eu me envolvia demais no trabalho e refletia isso em casa. Até que um dia eu parei e pensei ‘não é remédio que vai me curar, sou eu mesmo’. Tem que se policiar. Você não pode levar os problemas do presidio para dentro de casa. Tem que sair daquele portão e esquecer do presídio”, confessou.

Ele disse que precisou aprender a fazer isso. A respirar e não levar os problemas do trabalho para a sua vida pessoal. Porém, ele diz que existem colegas que não conseguem. Há casos de agentes que desenvolveram quadros de depressão, que precisam de medicamentos constantes ou até mesmo de uma aposentadoria devido à alta carga de estresse que o trabalho exige.

Apesar de todo a tensão envolvida, Paulo diz estar realizado em seu trabalho. E, em meio a isso, e depois de 15 anos, ele diz ter muita história para contar. Como a de um velório, da mãe de um detendo, na Zona Norte de Caxias do Sul. Essa, ele mesmo conta no vídeo abaixo.