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Pandemia x Ano Eleitoral: a doença como palanque político

Em época de crise, redução salarial de parlamentares pode ser interpretada como investimentos de campanha, afirma especialista.

Pandemia x Ano Eleitoral: a doença como palanque político

Desde dezembro de 2019 o mundo vive tempos de muitas incertezas, sejam políticas, econômicas, sanitárias ou sociais. Por conta do novo coronavírus, diversas mudanças no cotidiano foram necessária para que se pudesse diminuir os impactos da pandemia. Para muitos, as medidas sanitárias exigidas por autoridades foi um remédio amargo e difícil de ser engolido. Contudo, em meio a todas essas dificuldades, muitas ações solidárias foram e estão sendo desenvolvidas, e trazem, de uma certa forma, alento. Diversos exemplos, como a distribuição de alimentos para caminhoneiros, costura e doações de equipamentos de proteção individual, ou campanhas de doações de fundos para hospitais são bons exemplos a serem exaltados.

Na política, alguns exemplos solidários também emergiram e trouxeram oxigenação em tempos mergulhados em incertezas. Na última sexta-feira (10) o Governador do Estado, Eduardo Leite, anunciou o corte de 30% de seu próprio salário e orientou que secretários de seu governo fizessem o mesmo. Seguindo na onda surfada pelo governador do Estado, alguns prefeitos e parlamentares da Serra Gaúcha também anunciaram cortes em seus salários, alegando priorizar investimentos nas áreas da saúde e assistência social.

Uma vez que está prevista para acontecer eleições municipais no mês de outubro deste ano, a reportagem do Portal Leouve buscou contato com o professor doutor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Renato da Silva Della Vechia, especialista em Ciências Políticas, para esclarecer toda essa “empatia política”, que dificilmente é vista em outras épocas, se não, por conveniência, em anos eleitorais.

Portal Leouve: Essa “empatia política” que está sendo vista, principalmente nas últimas semanas, é de fato autêntica ou há outros interesses intrínsecos na retórica dos parlamentares?

Della Vechia: “Uma postura mais assistencialista sempre foi histórica no Brasil. Isso é sinal de uma fragilidade do Estado, na medida em que o Estado não consegue dar as respostas que a sociedade como um todo precisa. Com isso, campanhas são feitas de modo a suplementar e acudir pessoas em situação de muita necessidade. […] É claro que dentro dessas posturas, milhares de pessoas no Brasil inteiro estão se dispondo em contribuir de alguma forma, com trabalho voluntário ou financeiramente. Nós temos tanto pessoas que possuem preocupação social, e sempre tiveram, quanto pessoas que usam [a situação] para interesses, não só parlamentares e eleitorais, mas também de marcas empresariais. Como conseguir separar esse tipo de postura? No meu ponto de vista, quando temos posturas que fortalecem ações coletivas, e não somente de uma pessoa ou marca, elas são positivas. Quando elas não estão preocupadas exclusivamente em veicular o nome em uma ou outra circunstância. O segundo ponto é quando as pessoas estão preocupadas em construir saídas permanentes, não somente provisórias. Não adianta as pessoas resolverem questões por dois ou três meses e após continuarem abandonadas à própria sorte.”

Portal Leouve: Na sua opinião, alguns políticos estão fazendo da pandemia um palanque eleitoral?

Della Vechia: “Existem diversos estudos que mostram que o voto tem preço e o custo muda de região para região. Existem cálculos para avaliar quanto custam os processos eleitorais. Algumas ações que podem surgir neste momento, não vou dizer que todas tenham essa intenção, mas elas podem estar refletindo cálculos eleitorais. Ou seja, eu deixo de investir no processo eleitoral, por que neste momento estou abrindo mão de parte de meu salário de uma forma provisória e temporária. Com isso, vou ganhar muitos votos para fazer com que o próprio processo eleitoral seja um pouco mais barato. Então, são cálculos. Nem todos fazem, mas tem os que fazem. Nós vamos separar ou identificar [os parlamentares] pelo conjunto de suas propostas, posturas, comportamentos… até que ponto estão utilizando recursos que não são deles e são públicos, ou são de uma coletividade.”

Porta Leouve: Parlamentares de municípios que forem menos atingidos pela pandemia sairão na frente neste ano eleitoral em comparação a seus opositores, utilizando dos resultados alcançados como argumentos para atrair votos?

Della Vechia: “Acredito que dependerá de um conjunto de fatores. Um deles, é que esta crise irá atingir o país inteiro, mas é possível que algumas regiões sejam atingidas em momentos distintos. O resultado disso vai depender muito da postura que os governantes e os parlamentares tiverem nesse momento. Então, supondo que nós sejamos atingidos duramente, como foi a Europa e como está sendo os Estados Unidos, o que é bastante provável, mesmo as pessoas que hoje estão preocupadas com a questão do comércio e da liberdade, elas poderão mudar de opinião na medida em que a crise crescer. Pelo contrário, se a crise for muito leve, as pessoas poderão ficar descontentes com a postura dos governantes que forem mais austeros nessa relação. Mas acredito que irá depender muito da postura que os governantes e os parlamentares em geral tiverem. É isso que será julgado. Portanto, poderá ser distinto nas regiões do país.”

Ouça a entrevista completa do professor doutor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Renato da Silva Della Vechia, abaixo:

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Foto: Especial/Leouve