Era para ser um processo difícil, até que o réu, ao ser interrogado, abriu o “bocão de jacaré”.
O caso era de uma acusação de homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe (vingança) e pelo uso de recurso que dificultou a defesa da vítima: dirigindo seu veículo, o réu, deliberadamente, investiu contra o homem que havia matado o pai do acusado quando este ainda era um bebê.
Na primeira parte do interrogatório, ele respondeu que vivia maritalmente com uma mulher, com a qual tinha três filhos, um deles de colo. Todos dependiam de seu trabalho. Era mecânico.
No dia do fato, disse que avistou a vítima na parada de ônibus e decidiu dela se vingar, atropelando-a, deliberadamente, nela produzindo lesões letais. Era a pessoa que há mais de 20 anos tinha matado seu pai, coisa que não podia esquecer.
“Arrependimento”? “Não, Senhora. Quando eu o vi, tive uma raiva tão grande por ter crescido sem conhecer e sem ter um pai, que só me veio à cabeça acabar com a vida daquele homem”.
Juíza, Defensor e eu, todos nos entreolhamos atônitos. Aqueles olhares diziam o que a voz não verbalizava: “E agora? O réu está indefeso (coisa que não pode)?”
Até hoje, tenho esse caso como paradigma do poder da raiva. Por conta dela, os três filhos do réu, em algum momento, também irão ficar sem um pai do qual dependem.