Comecei a ler, de Tori Telfer, Lady Killers, mulheres assassinas em série, do que pouco se ouve falar.
Um dos relatos é sobre duas irmãs, Raya e Sakina (a mais nova), no Egito, precisamente em Alexandria. Desde crianças, muito pobres que eram, as irmãs se acostumaram aos pequenos furtos como algo habitual para sobreviverem, ao que eram até estimuladas pela mãe.
Já mais adultas, Raya e Sakina param também a se prostituírem e, adiante, abriram seu próprio estabelecimento destinado a exploração sexual de prostituas (cafetinas).
Lá pelas tantas, mulheres – entre elas muitas prostitutas -, começaram a desaparecer e a última vez que em que tais mulheres haviam sido vistas foi com Raya e Sakina, sobre as quais recaíam as primeiras suspeitas. Mas quem se importava com prostitutas? Nem a Polícia estava muito preocupada com isso na época.
No final de 1920, os corpos das desparecidas foram sendo encontrados em escavações furtivas, quando mais de 17 corpos femininos, a maioria de prostitutas, e as irmãs foram, em fim, presas, quando confessaram os crimes.
O caso e a prisão de Raya e Sakina se espraiou por todo o Egito, especialmente pela imprensa, mas, também, de boca a boca. Porém, pasmem, já naquele tempo, o que chamou a atenção das pessoas não foram os assassinatos nem a prisão da dupla diabólica, e sim a percepção de que suas vítimas, prostitutas, eram culpadas por suas próprias mortes. Afinal, se não estivessem andando por aí, em bares, em cafés e prostíbulos, não teriam se encontrado com as irmãs mortais.
Ou seja, as vítimas, no senso comum daquele tempo, provocaram a sua própria destruição pela perda da decência, incorrendo em uma absoluta erosão dos valores morais do Egito. “Encontraram o que mereciam.” As pessoas e a imprensa estavam menos concentradas nos papéis das irmãs assassinas e mais no comportamento “vicioso” das vítimas.
Eu já falei que isso ocorreu em 1920-1921? Pergunto, pois, passados mais de 100 anos, essa percepção ou percepção se encontra tão presente em nossa sociedade, nomeadamente, nos crimes contra a dignidade sexual de pessoas (independentemente do gênero ou escolha sexual).
“Minha dor é perceber…” Veio-me à mente esta canção.