Ovos, frutas, verduras e hortaliças devem custar mais ao consumidor gaúcho a partir do dia 1° de abril. Esses, e outros produtos essenciais para a alimentação, sofrerão um aumento na taxa do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de acordo com decretos publicados pelo governo do Estado em dezembro passado.
De isentos, os itens citados passarão a ter desconto de 12% ao ICMS, assim como flores naturais e leites pasteurizados. Outros alimentos da cesta básica, que hoje são tributados em 7% também retornarão à alíquota de 12%. Alguns deles são carnes, arroz, feijão e café (veja a lista completa no final desta matéria).
Segundo a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), o objetivo é “recuperar parte das receitas perdidas desde o segundo semestre de 2022, quando as alíquotas de ICMS foram reduzidas devido à Lei Complementar 194/2022, aprovada pelo Congresso Nacional”. A mudança também é um ‘plano B’ do governo Leite após a retirada da proposta apresentada à Assembleia que previa ajuste da alíquota modal do ICMS de 17% para 19%, “o que impactaria apenas 25% dos produtos em circulação no RS”, diz a Sefaz. Na ocasião, em dezembro do ano passado, a base governista não atingiu maioria para aprovação do projeto de lei na Assembleia Legislativa gaúcha.
Mobilização contrária
A redução na concessão de benefícios no ICMS vem sendo criticada por entidades representativas nas últimas semanas, inclusive com a formação de petições e campanhas em uma tentativa de barrar aas mudanças. Em Caxias, o Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios (Sindigêneros) espera que a revisão das alíquotas seja, ao menos, prorrogada.
Em nota, a entidade afirma que o pão francês, os ovos, frutas, verduras e flores “terão um aumento de 15% a 20% a partir de primeiro de abril” no preço final. O presidente Volnei Basso aponta que as mudanças devem afetar, principalmente, as pessoas com menor condição financeira.
“Esse aumento de ICMS vai trazer diferenças enormes entre a própria categoria, entre as empresas de grande porte, as médias e as pequenas e até os MEIs. Sabemos que trará dificuldade para todos os setores e teremos empresas saindo daqui para Estados próximos. Por exemplo, a maçã que hoje é alíquota zero como em Santa Catarina, vai ser taxada a 12%. Como é que fica essa concorrência?”, questiona.
‘Não ao aumento, sim ao alimento’ é o mote da campanha liderada pela Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), que conta com apoio de federações como Fecomércio, Fiergs, Federasul, entre outras 16 entidades setoriais do Estado. O dirigente da Agas, Antônio Cesa Longo, também opina que a retirada da isenção de produtos da cesta básica sobrepesará na camada mais pobre da população gaúcha.
“São produtos de primeira necessidade e consumidos massivamente pelas camadas mais pobres da população. Aumentar impostos de alimentos básicos é, na prática, retirar diariamente comida da mesa destas famílias”, alega.
No dia 26 de março, representantes da Federação Varejista do RS irão à Assembleia Legislativa para articular alternativas com parlamentares gaúchos a fim de desarticular os decretos do governo do Estado. Já no dia 1° de abril, data prevista para entrar em vigor o fim do benefício fiscal, está marcado um ato em frente ao Palácio do Piratini, às 15h.
Liminar para pão e massas – O pão francês e as massas congeladas eram outros produtos que estavam estipulados para o retorno de 7% para 12% da alíquota. No entanto, uma liminar solicitada pelo Sindipan e deferida pela juíza Juliana Neves Capiotti, da 6ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, nesta quarta-feira (21), garantiu a continuidade da taxa atual do ICMS para os dois itens.
“Produtor vai repassar custo ao consumidor”
A economista e diretora de Planejamento, Economia e Estatística da CIC Caxias, Maria Carolina Gullo, analisa que o orçamento de quem recebe menos será mais comprometido, uma vez que o aumento do ICMS deverá ser repassado ao preço final dos produtos. O governo do Estado, segundo ela, provavelmente terá um incremento na arrecadação.
“Estamos falando de bens essenciais. Por mais que eles aumentem, as pessoas não vão deixar de comer arroz, feijão, batata, ou seja, são alimentos, legumes e verduras que fazem parte do dia-a-dia da mesa do brasileiro“, observa.
A especialista lembra também que Caxias e região são conhecidas pela produção de frutas e verduras, produtos que estão incluídos na alteração da alíquota.
“Isso vai impactar certamente no custo do produtor, e que ele vai acabar tendo que repassar para o consumidor. E todo e qualquer produto que leve como matéria-prima qualquer um desses itens que vão ser aumentados, vai ser impactado“, reforça.
DE ISENTO PARA 12%
- Ovos
- Flores
- Frutas, verduras e hortaliças
- Maçã e Pêra
- Leite pasteurizado tipo A, B e C
- Pão francês*
- Mistura e pastas para preparação de pães*
* Isenção mantida por liminar judicial deferida nesta quinta (21)
DE 7% PARA 12%
- Açúcar
- Carnes
- Banha
- Café torrado e moído
- Conserva de frutas
- Farinha de arroz
- Farinha de milho
- Leite UHT LV
- Margarina
- Creme vegetal
- Óleos vegetais
- Sal
- Alho
- Arroz
- Erva Mate
- Farinha de trigo
- Feijão
- Massas alimentícias
Governo alega que ampliação do ganho do Devolve ICMS compensará custos das famílias de baixa renda
Em nota, a Secretaria da Fazenda do Estado “assegura que a elaboração das propostas dos decretos ocorreu de forma técnica, buscando reduzir os impactos para a população de menor renda e preservando a competitividade da economia do estado”. De acordo com a Sefaz, cerca de 20% dos benefícios fiscais estão sendo abrangidos pelas medidas.
Uma análise da Receita Estadual indica que a reoneração dos alimentos representará, para uma família média gaúcha, um aumento de cerca de R$ 381 por ano, o equivalente a R$ 1 por dia e que, segundo a pasta, corresponde a 0,3% da renda das famílias. O cálculo considera um cenário hipotético de repasse integral da carga tributária ao valor final dos produtos.
Além disso, o governo do Estado afirma que as famílias gaúchas de baixa renda não sentirão os efeitos das mudanças devido à ampliação do programa Devolve ICMS. A administração defende que “as famílias inscritas no CadÚnico terão aumento superior à reoneração dos alimentos, o que significa um acréscimo de mais de R$ 40 por mês no poder de compra“.
“Já as famílias registradas no cadastro federal, mas que não recebem o Bolsa Família, ficarão imunes às elevações ao receberem em torno de R$ 118 por ano. Na prática, a ampliação do Devolve ICMS fará com que dois a cada cinco gaúchos fiquem protegidos dos efeitos das mudanças no preço dos alimentos“, afirma comunicado da Sefaz.
Decretos publicados pelo governo
Decreto 57.365 – Fator de Ajuste de Fruição (FAF)
“Este decreto ampliará uma medida já em vigor desde 2021, condicionando uma parte do benefício fiscal chamado crédito presumido ao volume de compras efetuadas no Rio Grande do Sul. Com a alteração, 100% da concessão do crédito presumido ficará condicionado às regras do FAF. Atualmente, 15% são vinculados à medida, que abrangerá 31 setores.
O FAF é um instrumento previsto pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e implementado no Estado com o aval da Assembleia Legislativa. O objetivo principal da medida é fortalecer e proteger o mercado interno.
Levando em consideração um benefício de R$ 22,50, o instrumento funcionaria da seguinte forma:
- Se 100% das compras forem internas -> Empresa usufrui do benefício integral (R$ 22,50) (crédito presumido de 9%)
- Se 70% das compras forem internas -> Empresa usufrui do benefício de R$ 15,75 (crédito presumido de 6,3%)
- Se 100% das compras forem de fora do Estado -> Empresa não usufrui do benefício”.
Decreto 57.366/2023 – Reoneração de alimentos
“Este decreto ajusta a alíquota de ICMS sobre uma lista de alimentos, incluindo hortifrutigranjeiros e ovos, entre outros itens. Os produtos anteriormente isentos ou com redução de base de cálculo (cuja alíquota efetiva era entre 7% e 8%) terão a carga tributária ajustada para 12%”.
Decreto 57.367 – Depósito de parte da isenção e redução de base de cálculo em Fundo de Desenvolvimento do Estado
“Este decreto prevê o depósito de 10% do montante do benefício em um fundo estadual, aumentando gradualmente até atingir 40% do valor do incentivo em 2026. Inicialmente, a medida abrangia 64 setores econômicos, porém, após negociação com entidades econômicas, o governo anunciou a retirada de 63 segmentos da aplicação do decreto, mantendo apenas o setor de defensivos agrícolas”.
Íntegra da nota da Secretaria Estadual da Fazenda
“A Sefaz acredita ser muito relevante o debate sobre os benefícios fiscais no Estado e assegura que a elaboração das propostas dos decretos ocorreu de forma técnica, buscando reduzir os impactos para a população de menor e renda e preservando a competitividade da economia do Estado. Importante destacar que cerca de 20% dos benefícios fiscais estão sendo abrangidos pelas medidas, de forma que permanece um conjunto de desonerações imperantes para a economia gaúcha. Os estudos técnicos foram feitos com base em dados públicos e acessíveis, inclusive porque a Sefaz RS é uma das que garantem maior transparência sobre o tema em relação a outros estados”.