Farroupilha - A Juíza de Direito Fernanda Ghiringhelli de Azevedo, titular da 1ª Vara Criminal de Bento Gonçalves, condenou um policial militar a 19 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicialmente fechado. O réu, que atuava como policial militar em Farroupilha, foi responsabilizado pelos crimes de manutenção de casa de prostituição, favorecimento à prostituição — inclusive envolvendo uma adolescente — e estupro de vulnerável, praticado de forma continuada. A pena inclui ainda a perda da função pública, diante da gravidade dos crimes e da incompatibilidade de suas condutas com o cargo exercido na segurança pública. O processo tramita em segredo de justiça. Cabe recurso.
Caso
De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público, os crimes ocorreram entre setembro e outubro de 2023. O caso veio à tona após uma denúncia anônima recebida pelo Disque 100 e encaminhada ao Conselho Tutelar, que foi fundamental para deflagrar a investigação. A denúncia indicava que menores de idade estariam sendo aliciadas por um homem que se identificava como policial, em um imóvel localizado em frente à Delegacia de Polícia. A Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) iniciou as diligências, identificando uma adolescente no local, onde já havia indícios de que funcionava uma casa de prostituição.
Durante a instrução processual, foram ouvidas as duas vítimas, duas testemunhas de acusação, três de defesa, e foi realizado o interrogatório do réu. Duas testemunhas arroladas pela defesa tiveram a oitiva dispensada.
Sentença
A magistrada considerou as provas reunidas nos autos, como mensagens extraídas de celulares, cadernos de anotações e objetos apreendidos, que demonstraram a gestão financeira e operacional da casa de prostituição por parte do acusado. Conversas obtidas por aplicativos de mensagens também revelaram o controle exercido pelo réu sobre as despesas do imóvel, repasses via Pix, cobrança de valores e até estratégias para atrair mais mulheres ao local. Em um dos diálogos extraídos judicialmente, o policial questiona se uma adolescente havia atendido algum cliente e orienta a organização dos programas sexuais.
Na sentença, a magistrada rejeitou a alegação da defesa sobre a suposta ilicitude na extração dos dados dos celulares, destacando que houve autorização judicial condicionada ao consentimento das vítimas, o que foi devidamente comprovado.
A Juíza também apontou contradições nos relatos prestados pelas vítimas em juízo, especialmente quando comparados às declarações anteriores, mas considerou que os elementos colhidos — como registros bancários, anotações de programas, laudos periciais e o contrato de aluguel do imóvel, em nome do réu — sustentam de forma clara e contundente sua atuação na manutenção do local e no favorecimento à prostituição, inclusive de uma adolescente.
As conversas extraídas dos celulares indicaram o funcionamento estruturado da atividade, com controle dos quartos, cobrança de diárias, divisão de lucros e aliciamento de novas mulheres. Também ficou evidenciada a relação direta do réu com a gestão financeira do imóvel e com a rotina das vítimas, incluindo orientações sobre valores a serem cobrados por programas sexuais e estratégias para aumentar os lucros.
Relatos das Vítimas e Perspectiva de Gênero
Uma das vítimas (adolescente) afirmou inicialmente ter sido forçada a manter relações sexuais com o acusado, relatando episódios de violência física. A outra vítima também descreveu agressões e o funcionamento da casa de prostituição. Em juízo, ambas tentaram minimizar os fatos, o que foi interpretado pela magistrada como reflexo da condição de vulnerabilidade e submissão emocional.
Diante disso, a juíza ressaltou a obrigatoriedade da aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, nos termos da Resolução CNJ nº 492/2023, destacando a importância de evitar estereótipos, reconhecer os efeitos da violência sobre os relatos das vítimas e analisar as provas com atenção à desigualdade estrutural.