
Caxias do Sul - Caxias do Sul virou palco de um diagnóstico duro sobre a violência contra a mulher. Na sexta-feira (24), uma audiência pública reuniu autoridades, parlamentares e representantes de órgãos públicos para avaliar a rede de proteção feminina na cidade. O encontro, promovido pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados sobre os Feminicídios no Rio Grande do Sul, contou com apoio da Procuradoria Especial da Mulher (PEM) da Câmara de Vereadores.
A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL), presidente da comissão, destacou que o Brasil tem uma das legislações mais avançadas do mundo, a Lei Maria da Penha, mas enfrenta falhas graves na execução.
“O problema não é a lei, é a falta de estrutura para aplicá-la. Setenta por cento dos municípios gaúchos não têm nenhum equipamento de proteção à mulher”, criticou.
A parlamentar alertou ainda para a descontinuidade das políticas públicas no Estado. “A rede de proteção foi extinta em 2018 e só retomou as atividades no ano passado. Foram sete anos de apagão nas políticas para mulheres”, afirmou.
Falta de estrutura e demora na Casa da Mulher Brasileira
A deputada Denise Pessôa (PT) cobrou agilidade na definição do terreno para a Casa da Mulher Brasileira, que já possui verba garantida pelo governo federal.
“Esse equipamento é essencial para acolher e garantir a segurança das vítimas”, disse. Ela também defendeu o uso ampliado das tornozeleiras eletrônicas, consideradas uma das medidas mais eficazes para evitar novos ataques.
Denise lembrou que Caxias do Sul enfrenta desafios específicos, como a extensa área rural e a presença de comunidades imigrantes, o que dificulta o acesso à rede de apoio. “Muitas vezes, os primeiros sinais de violência aparecem nas UBSs, escolas e CRAS, antes mesmo de chegar à delegacia”, observou.
A vereadora Rose Frigeri (PT), titular da PEM, criticou a possível mudança do terreno para a construção da Casa da Mulher Brasileira. “As mulheres lutaram muito por esse espaço. Caxias precisa garantir essa conquista”, afirmou.
Rede sobrecarregada e carência de pessoal
A Patrulha Maria da Penha conta hoje com apenas quatro policiais para atender toda a cidade. Desde 2014, a equipe realizou 7,5 mil visitas a vítimas, sendo 1,3 mil apenas em 2025. Mesmo assim, o serviço não funciona 24 horas.
O defensor público Raphael Varella Coelho reforçou a necessidade de ampliar o quadro da Defensoria. “Temos apenas uma defensora para todos os casos de família e violência doméstica. É impossível atender com a qualidade que as vítimas merecem”, alertou.
Na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), a delegada Thalita Andrich informou que Caxias já registrou quase 4,2 mil ocorrências neste ano, 670 delas diretamente pela Deam. Até o momento, foram expedidas 393 medidas protetivas e instaladas 12 tornozeleiras eletrônicas.
Justiça
A juíza Eugênia Amábilis Gregorius, do Juizado da Violência Doméstica, revelou que 831 prisões por violência doméstica ocorreram apenas no primeiro semestre de 2025.
“Atuamos em parceria com todas as instituições do sistema de justiça. Não há acesso à Justiça sem humanização”, afirmou.
Ela também destacou o trabalho dos grupos reflexivos de homens, que buscam prevenir reincidências. Em Caxias, 200 homens participam por determinação judicial e 1.210 de forma voluntária.
Feminicídios em alta no RS
O Rio Grande do Sul enfrenta um aumento alarmante nos casos de feminicídio. De janeiro a setembro deste ano, 57 mulheres foram assassinadas, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública. A Lupa Feminista contabiliza 72 vítimas, a maioria morta por companheiros ou ex-companheiros.
O relatório final das audiências públicas deve ser concluído em dezembro e encaminhado aos órgãos responsáveis. Até lá, Caxias do Sul e outras 23 cidades gaúchas permanecem no centro do debate sobre como salvar mulheres da violência e garantir que as leis saiam do papel.