LUTA ANTIMANICOMIAL

A Rede de Atenção Psicossocial em Caxias do Sul; espaços de cuidado

CAPS, Serviços Residenciais Terapêuticos, ambulatórios multiprofissionais, Centros de Convivência e Cultura, Unidades de Acolhimento (UAs) e leitos de saúde mental nos hospitais gerais e especializados são serviços que compõe essa rede

Oficina com instrumentos percussivos para usuários de CAPS. Foto: Cristiane Barcellos/Divulgação.
Oficina com instrumentos percussivos para usuários de CAPS. Foto: Cristiane Barcellos/Divulgação.

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) é uma estrutura fundamental para o cuidado das pessoas que enfrentam transtornos mentais em todo o país e em Caxias do Sul não é diferente. Afinal, esse é o serviço responsável por garantir o atendimento adequado e humanizado a indivíduos em sofrimento psíquico.

E ao longo dos anos, o município tem se destacado pela robustez e diversidade dos serviços, que vão desde o atendimento ambulatorial até a internação e acolhimento em serviços especializados, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Dados divulgados pelo Governo Federal, em 2022, dão conta que, no Brasil, há 2.836 CAPS habilitados, distribuídos entre 1.910 municípios de todos os estados e no Distrito Federal. Do total, 424 são especializados no atendimento a problemas com álcool e drogas. Todavia, os serviços e atendimentos de saúde mental estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) em 42 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS), 144 Consultórios de Rua e 2.730 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

A RAPS de Caxias é uma das mais completas do país, contando com uma série de serviços especializados, como os CAPS, que são a espinha dorsal da rede. Além disso, é um dos poucos municípios do Brasil que conta com uma variedade de CAPS, atendendo públicos com transtornos mentais graves, incluindo aqueles com comorbidades relacionadas ao uso de substâncias psicoativas, como álcool e drogas. O número de habitantes, bem como a detecção do crescimento desse público determina a abertura desses mecanismos.

A cidade possui três tipos principais de CAPS:

  • CAPSI (Infanto Juvenil): Focado no atendimento a crianças e adolescentes com transtornos mentais graves (Aquarela).
  • CAPS 2: Destinado ao atendimento de adultos com transtornos mentais graves, funcionando de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h (Cidadania e Integração).
  • CAPS 3: Oferece atendimento 24h, com estrutura para “desintoxicação”, acolhimento e suporte a indivíduos com transtornos mentais graves e relação abusiva de substâncias (Reviver e Novo Amanhã).

Esses serviços são regulamentados por portarias do Ministério da Saúde, que definem a estrutura e as equipes mínimas necessárias para garantir a qualidade do atendimento. Além disso, os CAPS em Caxias do Sul se destacam por serem considerados modelo por outros municípios que buscam conhecer e replicar as boas práticas.

Integração e parcerias: a força da Rede

Apesar da grande amplitude e diversidade de serviços, a demanda por atendimento na saúde mental tem crescido nos últimos anos, acompanhando uma tendência nacional e global. A crescente preocupação com a saúde mental, impulsionada pela pandemia e pelos desafios sociais, como a violência e as pressões econômicas, reflete diretamente na ampliação do número de atendimentos.

No entanto, como é comum em muitos serviços públicos, ainda existe uma demanda reprimida, especialmente para consultas ambulatoriais, conforme explica Marina Guerra, diretora da Rede de Atenção Psicossocial.

Segundo ela, os ambulatórios de saúde mental, como o CAIS Mental, oferecem atendimento psiquiátrico e psicológico, mas o número de vagas é limitado. Além disso, o Apoiar, que atende crianças e adolescentes vítimas de violência, também se tornou uma referência importante no município, embora não seja um serviço tipificado pelo Ministério da Saúde.

“Uma das características mais importantes da rede é a integração entre os diferentes serviços de saúde mental. Todos eles, desde os ambulatórios até os CAPS, trabalham de forma conjunta para garantir que cada paciente receba o cuidado necessário, respeitando as suas necessidades individuais. Por exemplo, se um usuário do CAIS Mental apresenta um quadro mais grave, ele é encaminhado para o CAPS para um atendimento mais especializado, e vice-versa, se alguém atendido no CAPS alcançar estabilidade, pode retornar ao CAIS para seguimento” explica Marina.

Além disso, a também investe na capacitação e no fortalecimento da parceria com outras áreas, como a educação, a segurança pública e a assistência social. As visitas de estudantes das áreas de saúde, psicologia e educação aos CAPS têm se tornado mais frequentes, o que tem contribuído para a formação de novos profissionais com uma visão mais ampla da saúde mental.

A violência, as pressões sociais e o uso excessivo de telas são fatores que têm impactado a saúde mental dos mais jovens. Imagem Reprodução Freepik.

Desafios na Infância e Juventude

Outro aspecto importante que tem sido observado em Caxias é o aumento de casos de transtornos mentais entre crianças e adolescentes. A violência, as pressões sociais e o uso excessivo de telas são fatores que têm impactado a saúde mental dos mais jovens. Para atender essa demanda crescente, projetos e serviços que envolvem a família e a escola no processo de cuidado são fundamentais.

O diagnóstico precoce e o acompanhamento das crianças e adolescentes são essenciais para evitar o agravamento dos quadros, além de prevenir futuros transtornos mais graves. A complexidade do atendimento infantil exige que todos os envolvidos, incluindo a família, os educadores e os profissionais de saúde, estejam alinhados para oferecer um suporte eficaz.

“A gente vê muitos casos. Com questões sociais. Fortemente associadas. E atender criança. Não é simples. Porque você tem que olhar. Para todos esses outros atores. Tem a família. Tem a escola. Tem os amigos. Tem a comunidade. A rede social. É importante agora. O atendimento de criança. Requer um cuidado muito grande. Até para poder entender. Se é uma questão. De um transtorno mental. Ou se é uma questão social. Se é uma questão de aprendizagem. Ou se a família não está conseguindo. Tem que orientar a família”, pontua Marina.

Estrutura e Acolhimento

A constante melhora e expansão dos serviços também são meios de proporcionar maior eficácia à Rede. A reforma do prédio do CAPS Cidadania, que, em breve, contará com uma nova sede, ampliando a capacidade de atendimento e oferecendo mais conforto e dignidade aos pacientes. 

Além disso, o Município foi recentemente contemplado com a inclusão de projeto para mudança do CAPS Integração de tipo II para III, ou seja, ampliando equipe e infraestrutura com vista no atendimento 24 horas para esse público. O trabalho será viabilizado após liberação de recursos do Novo PAC

Há ainda um projeto para a viabilização de um terceiro CAPSI, já que a demanda por atendimentos é crescente também entre as crianças e adolescentes. Este, no entanto, ainda não foi aprovado.

Além disso, a cidade também se preocupa em integrar os usuários da RAPS à sociedade, com iniciativas como o programa de inserção no mercado de trabalho. O CAPS tem desenvolvido parcerias com empresas locais, oferecendo cursos de qualificação e preparando os usuários para o retorno ao mercado de trabalho, o que contribui para a reintegração social e a promoção da autonomia. 

Afinal, quando o assunto é cuidado em liberdade, é fundamental atentar-se a todos os atravessamentos que acontecem na vida das pessoas, o que inclui questões vinculadas à moradia, alimentação, renda, educação, relações e outros aspectos.

O vínculo como elemento central do atendimento

Partindo disso, a diretora técnica da Rede de Atenção Psicossocial, Luciana Lunardi de Almeida, também pondera que, ainda que existam esses espaços para acolher, há uma avaliação inicial para verificar a situação de cada pessoa e assim fazer o acompanhamento adequado. Neste sentido, ela explica que se trabalha a questão do risco. Ou seja, casos de pessoas com intenso sofrimento mental tendem a receber o acolhimento recomendado com a urgência necessária.

“Tem toda uma avaliação de risco. Quem tá esperando, existe uma regulação que vai olhar para essas pessoas e vai dizer se a pessoa está numa situação mais difícil, e assim ela vai pro início da fila. Aí muda a prioridade, o que é fundamental. Então, é preciso observar essa pessoa”, salienta.

O processo de acolhida se dá, portanto, desde o primeiro atendimento a este usuário. Em um sistema de saúde mental que muitas vezes lida com transtornos graves e longos períodos de acompanhamento, a criação de um vínculo de confiança entre os profissionais e os usuários é essencial. Para muitos, o CAPS se torna um porto seguro, um espaço de acolhimento onde podem se sentir respeitados e ouvidos, conforme Luciana.

A criação de um vínculo de confiança entre os profissionais e os usuários é essencial. Foto Reprodução Freepik.

Ela explica ainda que esse atendimento humanizado e individualizado, baseado no respeito às necessidades e ao tempo de cada paciente, tem mostrado resultados positivos, tanto em termos de recuperação quanto de reintegração social.

“E acho que o cuidado é a palavra, porque mesmo nos outros serviços tu poder ouvir para poder dar o encaminhamento, mesmo que não seja aqui, mas tu precisa escutar. E estar aberto a escutar é aquilo que a gente estava falando antes, né? A questão da violência institucional acontece por quê? Porque o próprio profissional às vezes não consegue ouvir. E acho que na saúde mental tem essa característica que é poder ouvir, acolher e poder pensar no respeito. Vai trabalhar com o vínculo, vai trabalhar com os recursos que tem no serviço, mas é isso do cuidado”, finaliza.

O estigma e o preconceito em relação a quem busca tratamento psiquiátrico ou faz uso de substâncias ainda são barreiras significativas. No entanto, a mudança cultural, com a maior aceitação e compreensão sobre a saúde mental, tem sido visível nos últimos anos, e esse é um avanço crucial para que mais pessoas se sintam confortáveis em procurar ajuda.

A saúde mental de Caxias do Sul é atendida por uma rede complexa e bem estruturada. Apesar das dificuldades e desafios relacionados à demanda crescente, o respeito aos direitos dos pacientes, a escuta atenta e a busca pela reintegração social são pilares fundamentais dessa rede, que se torna cada vez mais uma referência para outros municípios. Para além das fronteiras, para além das gestões, para todas as pessoas.