Os vereadores de Bento Gonçalves devem decidir nas próximas semanas se aprovam as contas do ex-prefeito Guilherme Pasin relativas ao ano de 2016, o último de seu primeiro mandato, iniciado em 2013. As contas do ex-prefeito e atual deputado estadual pelo Progressistas (PP) foram reprovadas por unanimidade pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) por infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ainda em 2019, e o processo chegou à Câmara Municipal neste ano.
A conclusão do relatório geral do TCE indica a “existência de irregularidades de sua responsabilidade”, referindo-se a Pasin. De acordo com o parecer técnico, a gestão do ex-prefeito não atendeu as exigências da Lei de Acesso à Informação, e permitiu a existência de restos a pagar para o ano seguinte, o que é vedado por lei, ainda mais em final de mandato, e desequilíbrio financeiro.
Como o governo tem ampla maioria no legislativo, as avaliações indicam que a Câmara deverá aprovar as contas, rejeitando os apontamentos do TCE, ainda que, para isso, será necessário o voto de dois terços dos vereadores.
Uma amostra disso foi dada nesta terça-feira, quando o parecer do vereador Edson Biasi (PP), que admite as contas de Pasin, foi aprovado na Comissão de Finanças da Câmara com três votos contrários entre os sete membros da comissão.
Com o empate em 3 votos, coube ao presidente da comissão emitir o voto decisivo. O que chamou atenção é que o presidente acabou votando duas vezes, pois era dele o voto como relator do tema.
Restos a pagar
Um dos principais apontamentos do TCE revelou uma insuficiência financeira de aproximadamente R$ 26,3 milhões no encerramento do exercício de 2016, o que significa que a prefeitura havia contraído essa despesa sem os valores necessários para pagar. Esse fato, para o Ministério Público de Contas (MPC), demonstra “uma situação de desequilíbrio financeiro durante esta gestão”.
O tribunal considerou que o Balanço-Geral da Administração Municipal e os demais documentos que integram o referido Processo de Contas de Governo contêm falhas prejudiciais ao Erário que comprometem as contas.
A insuficiência financeira no período foi superior em 24,75% à apresentada no encerramento do exercício de 2012. Para o TCE, é preciso garantir que a responsabilidade na gestão fiscal pressuponha a “ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a geração da despesa da seguridade social, inscrição em restos a pagar, entre outros elementos”.
Os conselheiros do tribunal de contas confirmaram que a gestão de Pasin não deixou recursos suficientes para honrar as despesas empenhadas nos últimos dois quadrimestres do mandato, como R$ 7,48 milhões para a saúde e R$ 4,33 milhões em recursos da Educação, que não foram pagas dentro do exercício como preconiza a legislação.
Conforme o relatório que embasou a rejeição das contas, de autoria do conselheiro Roberto Debacco Loureiro, o quadro de insuficiência financeira foi agravado ao longo do mandato de Pasin, tendo sua representatividade em relação à receita corrente líquida aumentada entre 2012 e 2016.
Além disso, ele afirma que “o cenário de dificuldades financeiras traçado pelo Gestor em seus esclarecimentos não ocorreu”. Em vez disso, houve aumento do déficit, sendo que boa parte concentrado justamente no período vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal para o último ano de mandato.
A defesa do ex-prefeito alegou principalmente que “as obrigações com falta de disponibilidade de caixa no período decorrem da redução nos repasses devidos” pelo governo do estado e pela União, o que foi rechaçado pelos conselheiros.
“Essa situação foi gerada única e exclusivamente pelo próprio gestor, no período vedado pelo artigo 42 da Lei Federal nº 101/2000, em contraste com um cenário de crescimento de receitas. De fato, ao analisar o orçamento daquele ano, o município obteve um ganho real de 11,3% nas receitas correntes arrecadadas em relação ao exercício anterior. O argumento da defesa quanto à frustração de receitas não se sustenta, constatando-se aumento de arrecadação ao longo do mandato, em uma variação real de mais de 6%. Enquanto isso, a insuficiência financeira cresceu, em termos reais, mais de R$ 5 milhões. No primeiro ano de mandato, em 2013, a dívida do município era de R$ 5,9 milhões. Três anos depois, cresceu para quase R$ 26 milhões.
É importante destacar que essa insuficiência financeira apurada no final do exercício de 2016 foi gerada no período vedado pela lei, em contraste com um cenário de crescimento de receitas do município. Para Loureiro, o caso é ainda mais grave porque o então prefeito teve a possibilidade de corrigir as irregularidades, mas não o fez. “Diante de todo o exposto, concluo que o Administrador teve condições para corrigir os rumos e trazer o Município à condição de equilíbrio financeiro ao longo do mandato, entretanto não o fez e ainda passou a empenhar despesas além dos recursos disponíveis nos dois últimos quadrimestres de seu mandato.”
CPI
Todos esses apontamentos que resultaram na rejeição das contas de Pasin em 2016 tiveram repercussão à época, inclusive motivando um pedido de investigação na Câmara Municipal, rejeitado em plenário em 2017. A denúncia, protocolada por um advogado da cidade, já falecido, alegava o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal pelo aumento nos restos a pagar e por insuficiência financeira durante todo o primeiro mandato de Pasin.
Para o denunciante, havia crime de responsabilidade, o que poderia resultar na cassação do mandato do prefeito, a partir dos sucessivos aumentos dos restos a pagar e à insuficiência financeira, e pelo descumprimento da norma que impede a realização de despesas nos últimos oito meses do ano eleitoral que não possam ser pagas até o fim do mandato ou sem a provisão de caixa para o pagamento.
Próximos passos
É importante lembrar que o parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas é um documento técnico-jurídico de natureza opinativa, com o objetivo de subsidiar o julgamento das contas pelo Legislativo. Quem decide pela aprovação ou rejeição das contas de um prefeito é a Câmara de Vereadores, que tem a responsabilidade constitucional.
Assim, o processo de análise das contas segue um trâmite regimental na Câmara, e precisa ser aprovado nas comissões e depois analisado em plenário.
O parecer do relator Biasi foi aprovado na comissão legislativa esta semana depois de um empate em 3 a 3, com voto contrário dos vereadores Agostinho Petroli (MDB), Rafael Fantin, o Dentinho (PSD) e Roberto Cavalli (PTB), o Paco, e decidido pelo voto de minerva do presidente da comissão (o próprio vereador Biasi, que já havia votado como relator e, dessa forma, votou duas vezes).
O texto deverá gerar um decreto legislativo que será votado em plenário. O parecer do TCE só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal, ou 12 votos. Como tem ampla maioria na Câmara, o governo – e os progressistas – devem garantir a derrubada do parecer do TCE. Somente o PP, partido de Pasin, tem sete cadeiras no Legislativo. O PSDB, partido do atual prefeito, tem dois vereadores. Além deles, o governo costuma contar com votos do Cidadania, do Republicanos, do PDT e do MDB.