Política

Condenação de vereadores em Bento Gonçalves gera dúvidas sobre perda de mandato

Decisão de primeira instância não cassou parlamentares e abre debate sobre o que a Justiça prevê nestes casos

Condenação de vereadores em Bento Gonçalves gera dúvidas sobre perda de mandato

A condenação em primeira instância de dois vereadores em exercício de mandato em Bento Gonçalves pelo crime de concussão gerou dúvidas na população e abriu um debate no meio político local porque a decisão judicial não definiu a perda de mandato dos parlamentares, condenados por supostamente tomarem parte do salário de assessores entre 2008 e 2013. Conforme a sentença da Juíza de Direito Fernanda Ghiringhelli de Azevedo, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Bento Gonçalves, os envolvidos não teriam sido condenados à perda do mandato porque já não exerceriam mais a função pública, diferente do que ocorre efetivamente. Mesmo que os vereadores ainda possam recorrer da condenação, a decisão sobre a perda ou a manutenção do mandato poderá recair sobre os colegas vereadores ainda nesta legislatura.

De acordo com alguns operadores do Direito, essa decisão depende de interpretações variadas da legislação e da jurisprudência, principalmente no que afeta parlamentares municipais. Para a maioria dos advogados consultados pela reportagem, os efeitos da condenação criminal nos mandatos só deve ser admitida com o trânsito em julgado dos processos em que há condenação criminal. A própria Constituição Federal garantiria isso.

Conforme o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a determinação de suspender os direitos políticos alcança qualquer mandato eletivo que seja exercido na época do trânsito em julgado da sentença condenatória em uma ação de improbidade administrativa. No caso de condenação no âmbito criminal, o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que a suspensão dos direitos políticos decorrentes da condenação transitada em julgado traz como consequência a perda do mandato eletivo, com exceção de deputados e senadores, conforme o parágrafo segundo do artigo 55 da CF, que remete a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal. Neste entendimento, a regra da cassação imediata dos mandatos aplica-se aos vereadores, conforme o artigo 15 da Constituição, mesmo que a condenação seja relativa a atos praticados em outro mandato.

No caso de Bento Gonçalves, os vereadores foram condenados por concussão, e o processo por improbidade não prosperou em segunda instância, após condenar os envolvidos na Justiça local.

Ainda assim, existem divergências de interpretação. Uma aparente falta de racionalidade do sistema surge uma vez que a exigência de decisão deliberativa das Casas Legislativas quanto à perda do mandato na hipótese de condenação criminal atinge apenas deputados federais, estaduais, distritais e senadores, não valendo para vereadores e nem mesmo para os chefes do Poder Executivo, que igualmente são mandatários eleitos diretamente pelo voto popular.

Outra contradição apontada é que a Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) estabelece que a condenação criminal por órgão colegiado impede que o cidadão se candidate a cargos políticos, um entendimento semelhante àquele adotado pelo artigo 15 da CF, que considera o indivíduo condenado criminalmente inapto para o exercício pleno dos direitos políticos. Assim, a incongruência também fica transparente se considerarmos que o cidadão condenado criminalmente em segunda instância fica inelegível, mas, por outro lado, determinada categoria de mandatários políticos, mesmo que condenados em ação penal transitada em julgado, não deixam de exercer plenamente o mandato.

Dessa forma, muitos entendem que, além dos casos em que a condenação criminal transitada em julgado levar à perda do mandato, em razão da fundamentação da decisão deixar expresso que a improbidade administrativa está contida no crime, há ainda outras hipóteses em que a gravidade do delito leva à aplicação de pena privativa de liberdade superior a quatro anos, não apenas da gravidade do delito, mas também da inviabilidade do exercício do mandato. Nesses casos, a condenação poderá gerar a perda do mandato parlamentar, conforme o Código Penal. Mas, mesmo nas hipóteses de condenação por crime de significativo potencial ofensivo, tendo em vista a possibilidade do Judiciário substituir a pena privativa de liberdade por restrição a direitos, há, pelo menos em princípio, a possibilidade de concomitante cumprimento da pena imposta e do exercício do mandato parlamentar, de modo que, nesses casos, à Casa legislativa competente deverá incumbir a decisão sobre a perda do mandato.