Imagem por Freepik
Imagem por Freepik

Antes que a imaginação te leve pra um ditado conhecido, aviso que Sriracha é, sim, uma pimenta, mas Tom Kha é uma sopa tailandesa de frango, e não uma parte do corpo.

A língua, além dos pés, nos leva pra muitos lugares. E mal-entendidos. As palavras tem vida e significados ocultos, se transformam e rendem histórias.

Uma vez, numa feira de tecidos nos Estados Unidos, e achando que falava bem inglês, pedi 5 metros de Satanás. Ao invés de satin (cetim), saiu um satan. Isso mesmo, eu pedi 5 metros de Satanás. Ninguém entendeu, porque além de Satanás não ser vendido em metro, os americanos usam o sistema imperial e não métrico, ou seja, jardas e polegadas ao invés de metros e centímetros. 

Muitos furos e anos depois, recebendo uma amiga da serra gaúcha em Florianópolis, começamos uma conversa sobre comida. As duas empolgadas e com fome. Adoro Tom Kha, a Luane me disse. Respondi que também adorava, em especial aquele cheiro de brodo de frango com capim-cidró e outras especiarias, leite de coco, gengibre e cogumelos. Falei de colocar folhas de manjerona roxa, Sriracha e coentro fresco no topo na hora de servir.

Foi quando ela me olhou espantada, mas, como muita gente torce o nariz quando se fala de coentro, continuei minha aula de culinária.

Já sem controlar a felicidade de encontrar alguém que também ama o mesmo prato, me ofereci pra fazer um Tom Kha pra gente. Nessa hora a conversa desandou mesmo. Descobrimos que a gringa da serra queria tchochar um pão num molho e a gringa americana queria que ela comesse uma sopa tailandesa. 

Desentendimentos Linguísticos

Desentendidos a parte, tem coisas que se perdem na tradução até falando o mesmo idioma. Palavras da época e da moda, gírias, aportuguesamento, mix com palavras estrangeiras, tudo isso faz a gente se entender ou se perder de vez. 

Minha mãe falando que um determinado cantor era um pão me fez pensar nas palavras que não se usa mais, as que mudaram de sentido e o Novo Dicionário Aurélio de rua. 

Hoje, fazer uma entrega é terminar um trabalho, enquanto o trabalho é um job e levar um produto é delivery. Métrica, engajamento, UX e UI são difíceis de explicar pra quem nasceu antes da internet existir, assim como é difícil pra geração Alpha saber o que é ou pra que serve um disquete, um fax ou uma internet discada.

Das palavras que escuto e não vejo a hora de desaparecer, o tá pago, top, topzera, pica das galáxias, cirúrgico, fazer um protocolo, lúdico, quântico, disruptivo e tudo lideram o ranking das mais irritantes. A pessoa que te manda uma mensagem com um “Tudo?” e mais nada é uma sovina gramatical e deve ser colocada na cadeirinha do pensamento, com os influencers e coaches, só pra aprender a abrir o verbo. Talvez eu implique porque meu avô cumprimentava as pessoas dizendo “Tudo azul, cor de cáqui?”, o que não tem sentido, mas é engraçadinho e mais simpático do que um impessoal e vago “Tudo?”.

Vivemos um tempo onde é difícil de se entender e de ser entendido. Sobra informação e falta conteúdo e compreensão. Quando nos damos conta, o ruído de comunicação já se tornou um estrondo, como se uma orquestra tocasse uma música que muda para um ritmo e sentido completamente diferentes ao chegar no ouvido de cada um.

Nessa sopa de palavrinhas, fico feliz de não ter conseguido comprar 5 metros de Satanás, mas triste de não ter tomado um Tom Kha com a Luane.