Síndrome do regresso

Uma vez passei férias em Porto Rico e, após dias incríveis, pensei seriamente em me mudar pra lá. É uma ilha linda, cheia de belezas naturais, povo acolhedor e onde eu poderia me sindicalizar como figurinista, pois Porto Rico é mais ou menos parte dos Estados Unidos. Mas a vontade não resistiu à matemática e o desejo de viver onde os outros passam férias morreu na praia, afogada pela realidade dos furacões, violência e falta de oportunidade de emprego qualificado.

Um dos lugares onde moro tem disso. Em Florianópolis, de cada 10 turistas que visitam, 11 querem ficar e 5 efetivamente se mudam pra ilha. A estatística é fictícia, mas os números não são totalmente errados. É só observar as colônias de gaúchos e paulistas que se proliferam pela ilha, apesar de Porto Alegre ser beeeem melhor.

E agora essa vontade de ficar voltou. A Síndrome do Regresso, apelidada na internet de jet lag espiritual, me pegou de jeito e termino minha viagem decidida, vou morar aqui, em algum lugar da Escandinávia.

Ainda não parei pra pensar em como vou fazer isso legal e financeiramente, mas nesse momento meu desejo é virar escandinava. Viver num dos países da península, Noruega ou Suécia, onde posso andar tranquilamente durante a noite, onde não vejo pessoas morando no meio da rua, passando necessidades e sem perspectiva de um futuro digno. Quero comer camarão, salmão e caviar todos os dias, pelo preço de banana, sabendo que qualquer um pode ter o mesmo direito e poder aquisitivo pra isso.

Quero morar num lugar onde não há imposição religiosa, onde o transporte público funciona e é acessível, seja qual for sua idade ou condição física. Quero morar nesse lugar onde a natureza é espetacular e preservada, não só explorada. Quero morar onde os cuidadores de pets respeitam os lugares onde seus amigos podem fazer seu cocozinho.

Quero morar num dos países que não se envolve em conflitos bélicos modernos, e onde cadeiras são feitas para aspirantes a políticos sentarem e não jogarem uns nos outros, mesmo que provocados.

Quero morar aqui, um país que conserva e respeita a história, com seus erros e acertos, para que os moradores se tornem pessoas melhores, e onde levei uma bronca do vizinho porque, por um misto de ignorância, pressa e jeitinho, não respeitei o horário de lavar roupa na lavanderia do prédio.

No Brasil, estamos acostumados a ter poucos ricos, alguns remediados e uma infinidade de pobres. A proporção entre eles é o que muda na Escandinávia, sendo que o meu ideal Poliana – aquele clássico que as irmãs do colégio obrigavam a gente a ler, é um mundo onde ninguém é pobre e explorado, a natureza é resguardada e todo mundo se respeita, independente do sexo, cor, nacionalidade, religião, ou se come pizza com abacaxi ou não.

E como tudo tem outro lado, descobri que a minha visão de visitante deslumbrada não é totalmente verdadeira. Meus óculos cor-de-rosa esconderam que o inverno é rigoroso, que a criminalidade e desigualdade social aumentaram consideravelmente, que as políticas de imigração não estão funcionando, que a extrema direita está ascendendo e que os ciclistas escandinavos são os donos supremos e impiedosos das ruas e calçadas.

Cheguei à conclusão, conversando comigo e com vocês, enquanto escrevo essa coluna, que mesmo andando pelo mundo, eu tenho um mundo imperfeito dentro de mim, e é nessa pororoca de realidade bruta e esperança que eu quero morar. Eu e vocês somos o nosso mundo, um lugar que não é perfeito, mas tenta, de verdade, ser um bom lugar pra se viver.