Aquele ditado de que a gente só sai de casa pra se incomodar é cada vez mais verdadeiro pra mim. De tentar atravessar a rua na faixa de segurança e ser xingada ou quase atropelada, da calçada cheia de buracos e sem espaço para passar entre muros e postes sem padrão, dos carros ultrapassando perigosamente nas ruas estreitas a algum perturbado das ideias com o som tão alto e distorcido no carro rebaixado que não conseguimos sequer ouvir a voz de quem está tentando caminhar com a gente num ensolarado domingo.
Se a rua é uma amostra da humanidade, sair da minha pequena bolha de conforto está cada vez mais difícil, pra não correr o risco de encontrar com um da nossa espécie.
Dia desses, andando pela rua de uma cidade dita bem civilizada no sul do Brasil, vi uma cena comum mas bizarra. Uma criança, entre 4 e 5 anos, bem vestida, topete penteado com gel e olhos azuis tão cintilantes quanto o líquido colorido-radioativo que estava dentro de um copo descartável que ele tomava. Com o copo quase vazio, a criança cansa de tomar aquela porcaria e joga o copo no chão, sendo observada de longe pelo pai, igualmente bem vestido. Ao invés de falar qualquer coisa ou recolher o copo, o pai chama o pequeno lord pra irem embora. Eu, que não tenho paciência nem controle sobre minha mania de limpeza, recolhi o copo e chamei: _ Olha, seu filho deixou cair isso daqui… O pai, sem entender o que eu estava fazendo, ou sendo ingênuo ou sendo irônico, responde: _ Ahh, pode jogar fora, é lixo. Meio sem noção, meio com raiva, fui até o pai e entreguei o copo melado-radioativo e disse calmamente (por fora) e espumando (por dentro): _ O exemplo é a melhor educação. Virei as costas sem saber se ia ouvir um agradecimento, xingamento ou levar um tiro – porque né, hoje em dia, nunca se sabe.
Depois dessa cena, fiquei numa mistura de tristeza e raiva, e passei horas pensando, afinal, quem me elegeu a síndica do mundo? E já que não sou eu, quem é? E já que ninguém é, como podemos conviver sem sermos tão sem-noção, egoístas, mal-educados ou chatos como eu fui enchendo o saco de um pai passeando com uma criança?
Me dói a falta de humanidade de quem quer multar quem alimenta o pobre morador de rua. Me irrita a falta de noção de quem vai para uma praia isolada pela Defesa Civil nos molhes da praia de Torres pra filmar e fazer selfie. Me deixa indignada a cara de pau dos coaches que ganham dinheiro as custas da ingenuidade de pessoas desesperadas. Me cai os butiá dos bolso ver uma construtora que cortou uma árvore centenária querer adotar uma praça como estratégia de RP pra recuperar a imagem. Me dá remorso todas as vezes que lembro da minha própria falta de educação em situações da vida.
Acho que somos, todos nós e eu incluída, um poço de contradições em nossos discursos, ações e exemplos. Queremos paz e sossego mas fazemos guerra pra isso. Queremos bons costumes mas damos maus exemplos, querendo ou não.
Eu não quero ser a síndica do mundo, ficar apontando erros e educando os outros ou os filhos dos outros, mas acho que nós falhamos como seres humanos quando não damos a mínima para os nossos atos mais simples, quando invadimos o espaço alheio, seja com nossa arrogância ou indiferença ao passar por uma pessoa que mora na rua como se isso fosse normal, pois a omissão também é uma forma de mau exemplo.
E pra não dizer que não tenho esperança nesse condomínio insano em que vivemos, na nossa próxima reunião imaginária, eu vou chamar o síndico que mais faz sentido pra administrar essa bagaça toda, pode ser Tim Maia?