As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram;
Os Lusíadas
Luís de Camões
Ainda pairam muitas incertezas acerca da contenção da pandemia. A experiência mal sucedida da Itália, por exemplo, atormenta o Brasil, embora nossa realidade seja bastante distinta, em face das dimensões continentais de nosso país.
Se o coronavírus virá com mais força no inverno ou retornará de tempos em tempos, são questionamentos que não é possível responder, mas é certo que os hábitos modificarão e que muitos paradigmas de “vida boa” serão retraídos ou até sepultados.
Claro que o homem fica sempre sedento, não só pela informação do avanço científico da busca de uma vacina, mas também por orientações dos líderes que permitam realizar um enfrentamento seguro da pandemia, pois, como disse Kant, com toda sua amargura, “O ser humano é o único animal que precisa de um líder para viver”.
O certo é que milhares de pessoas morrerão, a fome avançará em proporções alarmantes e o desemprego – até nos EUA – alcançará os maiores índices dos últimos anos! A China, que foi a primeira vitimada pelo Covid-19, parece, será a primeira a reagir e a voltar com força para o mercado mundial.
Mas uma angústia que, certamente, habita a mente de muitos, diz respeito aos efeitos no relacionamento humano pós-corona. Uma certa desconfiança da presença do outro, o que poderia gerar uma retração do convívio social. Poderíamos chamar isso de “medo residual” do vírus. Algo que está presente nos orientais, que já adotam, há tempos, as máscaras como item comum de circulação… E esse temor não é fruto apenas do coronavírus, mas do risco de que outras pandemias possam surgir e de que essa realidade não seja pontual, impondo a adaptação da humanidade a uma nova realidade.
Embora tenha me adaptado bem ao isolamento social, especialmente por força da disciplina laboral e da possibilidade de um home office eficiente, no exercício da advocacia e do magistério universitário, não olvido as incontáveis dificuldades que decorrem de tal imposição. A primeira delas, claro, é a privação de muitas espécies de trabalho que impõem a presença de seu prestador e as consequências que advém de tal situação. Mas, no âmbito pessoal, imagine um casal que recém se conheceu, quando a paixão está aflorando ou, noutro extremo, um casal que estava prestes a se separar? E situações mais severas ainda, como o apartamento das famílias nos momentos de doença e a impossibilidade de “chorar o luto”, diante das cenas de corpos empilhados sendo enterrados, comuns na Lombardia, Wuhan, Espanha, mas também em Manaus…
E as redes sociais? Borbulham como munca no período de isolamento! Tudo se passa como se as bolhas radicais fossem “fagocitando” o centro, sempre em nome do combate a um “inimigo” que seria a própria expressão do mal. E a sanidade do homem vai se esvaindo….
Mas diante dos prognósticos de economistas, análises de especialistas da área da saúde e percepções próprias, arrisco alguns contornos do cenário pós-corona:
1) Será que o Shopping continuará a ser o templo da convivência e um dos principais destinos das pessoas nos finais de semana?
2) E as economias de bairro, como a papelaria da esquina, sobreviverão nas grandes metrópoles ou as compras online foram definitivamente consolidadas com o isolamento social?
3) Mas as empresas terão que abandonar a improvisação nas comunicações online. A qualidade prevalecerá. Só as plataformas digitais inovadoras e funcionais irão sobreviver;
4) O comércio online, de qualquer forma, deixará de ser coadjuvante. As lojas físicas serão ressignificadas como espaços de experimentação da marca;
5) 95% das lojas Starbucks foram reabertas na China, mas o movimento na loja é só de 60% do anterior. As pessoas compram e vão para casa. A grandes redes terão que rever o modelo comercial e reduzir drasticamente os espaços de convivência, com grande efeito no mercado imobiliário;
6) Os maiores varejistas americanos já demitiram mais de 1 milhão de pessoas e devem reempregar muito menos depois da crise porque o comércio presencial vai encolher;
7) As seguradoras mudarão os referenciais de forma muito significativa, incorporando os elementos relativos às “catástrofes sanitárias”;
8) A educação online está sendo definitivamente experimentada e haverá uma mudança na forma como se aprende, firmada em novas tecnologias e encurtando distâncias, com ensino em escala “mundial”, especialmente o universitário e a educação “para a vida inteira” de ponta;
9) Como afirmou Divesh Makan, da Iconic, “sai o estoque just in time e entra o just in case. As empresas aprenderam com a crise que precisam ter estoques maiores de segurança, principalmente quem tem cadeias longas de fornecimento”;
10) O medo gerará um avanço das práticas protecionistas dos países, com forte retração do globalismo;
11) A capacidade de produzir tecnologia dos chineses ficará mais evidente;
12) A China, que tem implementado práticas solidárias em todo o mundo, semeando um sentimento de gratidão, já tem uma matriz produtiva de custo baixo e foi a primeira a ser vitimada, também será a primeira a sair da crise, consolidando-se como principal potência econômica mundial, destronando os americanos;
12.1) Todavia, há um outro cenário possível, na hipótese de que a tese do presidente americano Donald Trump, de responsabilização da China pela geração do Covid-19 tenha sucesso, com a imposição de embargos, dificultando a consolidação dos chineses no mercado;
13) Nenhum setor da economia poderá renunciar às novas tecnologias, sob pena de ser banido;
14) As viagens de negócios serão significativamente reduzidas e substituídas por videocalls. As de lazer, por sua vez, tendem a experimentar uma interiorização, com a preponderância de que sejam dentro dos próprios países;
15) Existem 1.700.000 vírus detectados em animais, desses 1.700 são coronavírus. Ou seja, outras pandemias virão!
16) A “medicina à distância” avançará rapidamente e será consolidada;
17) As empresas que migrarem, com qualidade, para o comércio online, fidelizarão o consumidor e sairão fortalecidas no pós-crise, gerando o fechamento de milhares de empresas que não realizaram essa “transição” no período da pandemia;
18) Com a necessidade de aprimoramento e acompanhamento das novas tecnologias, as universidades experimentarão a maior transformação das últimas décadas. As que se notabilizarem terão um “novo mercado”, pois haverá necessidade de disseminação contínua do conhecimento, diante de necessidades cada vez mais mutantes. Assim, os cursos de graduação e pós-graduação não serão mais os únicos protagonistas, dando espaço à formação permanente, notadamente a online;
19) Como disse e fez noutras oportunidades, Galló, CEO da Renner, a crise não é um momento de travar investimentos, mas sim de focar em novas oportunidades e apertar gatilhos que gerarão mercados consistentes no pós-crise;
Por ora, vale acompanhar os efeitos presentes e nos prepararmos para a profunda transformação que nossa vida experimentará com essa e – infelizmente – as futuras pandemias que ainda virão!