COLUNA ESPECIAL

Quando o clima decide o jogo: lições de resiliência do campo

Mãos colhendo alface em um jardim hidropônico, com gotas de chuva e fundo embaçado.
Imagem: Google Gemini

Sentada diante de Cleber Zortea, recém-laureado com o Troféu Senar 2025 como Profissional Destaque, uma frase dele ecoou em minha mente: “O clima afeta direta e indiretamente a produtividade e o resultado da sustentabilidade na propriedade.” Cleber, que vive na linha de frente das mudanças climáticas, onde teoria vira prática e cada decisão pode significar a diferença entre prosperidade e prejuízo.

Cleber não é apenas um técnico agrícola – é um tradutor da linguagem que a natureza fala com crescente urgência. E sua mensagem é clara: o clima não é mais um coadjuvante na agricultura; ele se tornou o protagonista que dita as regras do jogo.

A Matemática Cruel das Oscilações Climáticas

“Quando temos oscilação climática durante o ciclo da cultura, por excesso de água, além de prejudicar o desenvolvimento, reduzir produtividade, favorece muito a entrada de doenças”, explica Cleber com a precisão de quem viu essa equação se repetir inúmeras vezes. É uma matemática cruel: mais chuva não significa necessariamente mais produção. Pelo contrário, pode significar mais gastos, mais preocupações, mais noites em claro.

Escutando-o, lembrei-me das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul. Não foram apenas casas e estradas que se perderam – foram sonhos de safras, investimentos de anos, a esperança de famílias inteiras que dependem da terra para sobreviver. E quando a água finalmente baixou, veio o segundo golpe: as doenças nas plantas, como visitantes indesejados que chegam quando a resistência já está baixa.

A Adaptação Como Sobrevivência

Mas Cleber não é alguém que se entrega ao destino. Sua fala revela a mentalidade de quem aprendeu a dançar conforme a música do clima: “Daqui a pouco, escolhendo uma cultivar mais rústica, com produção menor, ou investimentos em sistemas de tela antigranizo, investimento em plasticultura para produção de folhosas.”

Aqui está uma lição poderosa para todos nós: a adaptação não é derrota, é inteligência. Quando Cleber fala sobre escolher cultivares mais rústicas, mesmo sabendo que produzirão menos, ele está nos ensinando sobre resiliência prática. Às vezes, sobreviver é mais importante que prosperar no curto prazo.

O Custo Invisível da Incerteza

Uma das reflexões mais impactantes de nossa conversa foi quando ele mencionou como essas adaptações “acabam encarecendo a produção, por investimentos maiores, reduzindo assim o lucro ou tornando o alimento com custo maior para o consumidor.”

Aqui está uma verdade que raramente conectamos: quando o clima fica instável, não é apenas o produtor que paga a conta – somos todos nós. Cada investimento em tela antigranizo, cada sistema de irrigação de emergência, cada tratamento extra contra doenças se traduz em centavos a mais no preço dos alimentos que chegam à nossa mesa.

É um ciclo que poucos enxergam: mudanças climáticas → maior custo de produção → alimentos mais caros → impacto social. O clima não afeta apenas quem planta; afeta quem come.

Impacto das Mudanças Climáticas na Agricultura

A Seca e Seus Dilemas

“Quando pegamos o período de seca, favorece a entrada de pragas, reduz produtividade, limita ou compromete a produção”, continua Cleber, pintando o outro lado da moeda climática. Se o excesso de água traz doenças, a falta dela convida as pragas e limita as possibilidades.

Imagino o produtor de alface, tomate, repolho, brócolis – culturas que Cleber menciona como especialmente sensíveis – olhando para o céu em busca de sinais de chuva. São alimentos que fazem parte do nosso dia a dia, que consideramos básicos, mas que dependem de um equilíbrio climático cada vez mais raro.

A Mão de Obra Invisível da Adaptação

Uma das observações mais perspicazes de Cleber foi sobre como as mudanças climáticas exigem “mais ações, mais atividades, sem resultar em ganhos lá na frente, porque são tudo ações para prevenir ou remediar a situação.”

Pense nisso: horas extras de trabalho que não geram lucro adicional, apenas tentam manter o que já se tinha. É como remar contra a correnteza – muito esforço para ficar no mesmo lugar. Essa é a realidade de muitos produtores hoje: trabalhar mais para ganhar igual ou menos.

Lições de Resiliência para Além do Campo

Conversando com Cleber, percebi que suas estratégias de adaptação climática contêm lições valiosas para todos nós:

1. Diversificação como Proteção Assim como ele escolhe cultivares mais rústicas, podemos diversificar nossas próprias “culturas” – habilidades, fontes de renda, estratégias de vida.

2. Investimento em Prevenção Os sistemas antigranizo e de irrigação são investimentos preventivos. Em nossas vidas, isso pode significar educação continuada, reservas de emergência, cuidados com a saúde.

3. Aceitação da Nova Realidade Cleber não luta contra o clima; ele se adapta a ele. Às vezes, aceitar que as regras mudaram é o primeiro passo para prosperar nas novas condições.

Reconhecimento e a Busca pela Sustentabilidade

O Reconhecimento de Quem Merece

O Troféu Senar 2025 que Cleber recebeu não é apenas um reconhecimento individual – é um reconhecimento de todos os profissionais que estão na linha de frente da adaptação climática. São pessoas que transformam desafios em soluções, que encontram caminhos quando as estradas tradicionais se tornam intransitáveis.

Eles são os verdadeiros heróis da sustentabilidade: não aqueles que fazem discursos sobre mudanças climáticas, mas aqueles que vivem essas mudanças todos os dias e ainda assim encontram formas de alimentar o mundo.

A Sustentabilidade Que Nasce da Necessidade

“O clima afeta diretamente e indiretamente a produtividade e o resultado da sustentabilidade na propriedade”, concluiu Cleber. E eu acrescentaria: a verdadeira sustentabilidade não nasce de idealismos, mas da necessidade de sobreviver e prosperar em um mundo em constante mudança.

Cleber e profissionais como ele não escolheram ser sustentáveis por modismo – eles são sustentáveis por sobrevivência. E talvez seja exatamente essa urgência, essa conexão direta entre ação e consequência, que precisamos trazer para nossas próprias vidas.

O Convite para a Reflexão

Enquanto Cleber lida diariamente com as incertezas do clima, nós, consumidores urbanos, muitas vezes vivemos desconectados dessa realidade. Mas sua história nos convida a refletir: como podemos apoiar quem produz nossos alimentos em tempos de mudanças climáticas? Como podemos ser mais conscientes sobre o custo real da comida que chega à nossa mesa?

Talvez a resposta esteja em valorizar mais quem trabalha a terra, em entender que preços justos são investimentos na resiliência alimentar, em reconhecer que a sustentabilidade do campo é, literalmente, a sustentabilidade da nossa sobrevivência.

Cleber Zortea: Um Exemplo de Resiliência e Adaptação

Cleber Zortea merece o troféu não apenas pelo que conquistou, mas pelo que representa: a capacidade humana de se adaptar, resistir e continuar alimentando esperanças, mesmo quando o céu parece incerto. Além de vir de família de produtores, Cleber é mais que um técnico – ele traz soluções reais para os agricultores porque conhece na prática. Começou muito cedo no campo, junto com a família, e hoje auxilia muitos agricultores em seus negócios, carregando consigo a sabedoria que só quem tem terra nas mãos e céu nos olhos pode oferecer.

Sua trajetória nos ensina que as melhores soluções nascem da experiência vivida, não apenas estudada. Quando Cleber orienta um produtor sobre qual cultivar escolher ou como se proteger do granizo, ele não está apenas aplicando conhecimento técnico – está compartilhando décadas de observação, tentativa e erro, sucessos e aprendizados que começaram ainda criança, caminhando entre as fileiras de plantação ao lado da família.

E nós, o que podemos aprender com o que Cleber trouxe para nós?

Que a verdadeira liderança em sustentabilidade não vem de quem fala sobre a terra, mas de quem vive dela. Que as soluções mais eficazes nascem da união entre conhecimento técnico e sabedoria prática. E que, em tempos de mudanças climáticas, precisamos valorizar e apoiar quem, como Cleber, dedica a vida a encontrar formas de alimentar o mundo, mesmo quando as condições se tornam cada vez mais desafiadoras.

A resiliência do campo é a resiliência de todos nós. E pessoas como Cleber são os guardiões dessa esperança.