ARQUITETURA

Preservar o essencial para construir o amanhã

Preservar o patrimônio histórico em cidades em crescimento é um desafio que mistura afeto, técnica e pragmatismo.

Imagem: Divulgação Cristina Mioranza
Imagem: Divulgação Cristina Mioranza

Preservar o patrimônio histórico em cidades em crescimento é um desafio que mistura afeto, técnica e pragmatismo. Enquanto alguns defendem o tombamento como solução definitiva, especialistas alertam: nem todo imóvel antigo merece ser congelado no tempo. A discussão, comum em conselhos de patrimônio, gira em torno de critérios que vão além da nostalgia — é preciso equilibrar memória, relevância cultural e desenvolvimento urbano.

Um dos primeiros passos é diferenciar listagem e tombamento. Listar um bem como “a ser preservado” permite flexibilidade, adaptando-o às demandas contemporâneas sem descaracterizá-lo. Já o tombamento, mais rígido, pode engessar usos e tornar a manutenção inviável financeiramente. A Carta de Restauro de Veneza, documento internacional de referência, reforça a importância de intervenções que respeitem a autenticidade do patrimônio, mas sem impedir atualizações necessárias. O retrofitting — adaptar estruturas antigas a novas funções — surge como alternativa inteligente, como visto em casos como o Moinho da Estação em Caxias do Sul, onde arquitetura industrial ganhou vida como espaço cultural.

Avaliar a relevância histórica exige um pente fino. Um imóvel como o Hotel Casacurta, em Garibaldi, por exemplo, justifica preservação não só pela arquitetura, mas por abrigar eventos imateriais: a hospedagem do ex-presidente João Goulart transformou-o em símbolo político regional. Já outros prédios, mesmo antigos, podem não carregar narrativas significativas — daí a necessidade de critérios claros. Outro exemplo são os patrimônios industriais, que contam a história de cidades marcadas pela imigração e produção, como ocorre na Serra Gaúcha. Sua preservação não é sobre estética, mas sobre manter viva a identidade de comunidades.

O crescimento urbano, porém, impõe dilemas. Demolir indiscriminadamente apaga referências culturais, mas impedir o desenvolvimento ignora que cidades são organismos vivos. A saída está em selecionar com rigor: preservar o que encapsula memórias coletivas, adaptar o que pode servir ao presente e liberar espaços sem relevância para novas construções. Afinal, patrimônio não é um museu, é uma herança que precisa dialogar com o agora.

No fim, a lição é clara: preservar não é sobre impedir o futuro, mas sobre escolher quais fios do passado merecem tecer o amanhã. E nesse bordado delicado, cada cidade escreve — ou apaga — sua própria história.