O tempo nas fachadas

Ao caminharmos pela Serra, encontramos elementos construtivos que carregam memórias

O tempo nas fachadas

A Serra Gaúcha é uma região marcada por fortes traços culturais, herdados principalmente das colonizações italiana e alemã, que deixaram suas marcas não apenas nos sotaques, na culinária e nas tradições, mas também, de forma muito expressiva, na arquitetura das cidades. Ao caminharmos por Bento Gonçalves, Garibaldi, Caxias do Sul ou Flores da Cunha, por exemplo, encontramos elementos construtivos que carregam memórias: fachadas de madeira, alvenarias de pedra basáltica, telhados inclinados, janelas com venezianas, varandas com colunas de ferro trabalhado. Esses detalhes falam sobre o tempo, sobre os modos de vida e sobre como os imigrantes adaptaram seus saberes à geografia e ao clima da região.

No entanto, essa identidade construída ao longo de décadas vem sendo desafiada por um ritmo acelerado de transformação urbana. As cidades da Serra estão crescendo verticalmente, com empreendimentos cada vez mais altos ocupando o espaço central, substituindo casarões antigos por edifícios modernos. É natural que as cidades se transformem, mas o modo como isso ocorre define o respeito – ou a negligência – com a memória coletiva e o pertencimento da comunidade.

A verticalização, quando feita sem planejamento sensível, pode provocar rupturas visuais e sociais. Ruas antes harmoniosas passam a ter sombras excessivas, fachadas desconectadas e uma paisagem urbana descaracterizada. Além disso, há um esvaziamento do sentido simbólico que a arquitetura tem. A casa da nonna, a ferraria do bisavô, o porão onde se fazia vinho, todos esses elementos deixam de existir não só fisicamente, mas também como parte da narrativa urbana. Preservar não significa impedir o novo, mas sim saber onde e como ele se insere para que o passado e o presente possam dialogar.

A Importância da Arquitetura na Preservação da Identidade Urbana

A arquitetura tem um papel fundamental nesse processo. Ela é linguagem, é mediação entre o tempo e o espaço. Por isso, é urgente repensarmos nossas políticas urbanas, valorizando o patrimônio edificado e criando mecanismos para incentivar a reabilitação de imóveis históricos, em vez da sua demolição. Projetar o futuro das nossas cidades não pode ser um exercício de apagar o que fomos, mas sim de entender que a identidade arquitetônica é um ativo social, econômico e afetivo.

Como arquiteta, acredito que ainda há tempo e ferramentas para promover um desenvolvimento urbano mais equilibrado, que respeite as características de cada local e que valorize aquilo que nos torna únicos. A Serra Gaúcha tem histórias em pedra e madeira, em varandas e sótãos. Preservá-las é um ato de respeito com quem veio antes e um presente para quem ainda vai habitar esses espaços.

Esquina da Rua Coronel Flores com a Rua Dr. Augusto Pestana, em Caxias do Sul, vista através dos anos.