O supremo tribunal do assento. Imagem: Reprodução/Instagram
O supremo tribunal do assento. Imagem: Reprodução/Instagram

Novamente, o assunto mais falado nos últimos dias não é crucial para a sobrevivência da humanidade ou vai melhorar nossa qualidade de vida, fazendo a gente pensar como e porque alguns temas tão desimportantes recebem tanta atenção?

A mulher da janela do avião, pra quem não sabe, refere-se ao caso de uma pessoa que estava sentada no assento da janela em um voo e não deu seu lugar para uma criança chorando, sendo filmada e exposta na internet por uma outra viajante, que não tinha nada a ver com a situação.

A mulher que gravou o vídeo expõe, xinga, julga e sentencia a passageira a uma suposta humilhação pública, enquanto espera sua indignação midiática viralizar. Mas num plot twist duplo carpado, a internet resolveu fazer justiça com as próprias mãos e dividiu as opiniões, sendo que a mulher da janela está ganhando de lavada.

Mas afinal, quem é você na fila do assento no avião? 

A mulher, que pagou por isso e só queria sentar sossegada na janela com seus fones de ouvido e cara de paisagem?

A criança, que não sabia o que estava acontecendo mas queria sentar na janela, ao lado da avó e sem cinto, sem saber o que é possível, impossível, sim e não?

A mãe, que se dividia entre repreender a mulher e acomodar a vontade do filho?

A passageira influencer, que não tinha nada a ver com isso e filmou tudo para supostamente ajudar não se sabe quem?

A companhia aérea, que se absteve de envolvimento na polêmica mesmo durante a ocorrência?

A mídia, que continua entrevistando, polemizando e dando palco pra uma pauta tão irrelevante?

A invasão de privacidade, que não perdoa gregos nem goianos em qualquer situação?

A internet, que cria, investiga, julga e sentencia a vida de qualquer um como um personagem de série feita para ser vista no celular?

A empatia, raptada do dicionário e usada para ajudar mas também para lacrar?

Ou eu, perdendo um tempo precioso da vida tanto minha quanto sua e dos demais humanos com esses questionamentos?

Lembrei de um teste psicológico sobre a Maria, João, Paulo, um amigo da Maria, um bandido e um barqueiro. Spoiler: A Maria morre e você deve dizer de quem é a culpa, numa história recheada de vida, moral, crime, posicionamento e empatia. Cada um teve motivos para suas atitudes, e a culpa da morte divide opiniões, levando em consideração todos nossos preconceitos, estilo de vida, projeção e necessidade de opinar na vida dos outros.

Nessa sociedade de fascinação pela inutilidade, todo mundo que não tem nada melhor pra fazer na vida tá dando sua opinião, enquanto a mulher da janela virou meme, diva, assunto e atingiu a marca de de 2 milhões de seguidores, tudo de uma hora pra outra e ao mesmo tempo em que é acusada de falta de empatia. A mãe e as pessoas que filmaram e postaram resolveram aparecer, polemizar, se desculpar e também tentar ganhar um quinhão de atenção e, talvez, alguns seguidores. 

Fico imaginando, se a mulher da janela tivesse, não sem razão, discutido, batido boca e questionado a mulher que a filmou, será que a história não teria outro desfecho? Não seria ela cancelada? Não sei, e não vai mudar em nada minha vida se souber. O que sei é que vivemos num grande Big Brother de falta de privacidade e excesso de inutilidade em assuntos de irrelevância internacional.

Eu quero sim, poder sentar na janela do avião sem que uma desaplaudida venha enfiar um celular na minha cara e que, SE, e apenas SE eu quiser, possa me levantar e dar meu lugar para uma criança ou quem quer que seja. Mas se eu não quiser, que não me acusem de falta de empatia, porque ninguém sabe se no fundo essa criança não precisa de limites ou se eu sou simplesmente uma pessoa que pegou o bonde andando e quis sentar na janelinha.