Recentemente, entre um café e outro, sentei num cafeteria esperando minha vez para uma agenda remota. Notebook aberto, olhar compenetrado, dedos dançando no teclado. Um senhor, desses que já coleciona mais décadas de histórias do que a maioria das nuvens digitais que usamos, puxou conversa:
— Posso te fazer uma pergunta, guri?
— Claro, fique à vontade.
— Tu é muito parecido com o meu médico. É que tu tá com a mesma cara fechada do meu cardiologista…
Soltei uma risada sincera. Antes que eu pudesse responder, ele emendou:
— Ou será que tu tá operando alguém aí dentro desse computador?
A conversa deslanchou, e contei que sou uma espécie de médico, sim — médico de computadores, sistemas, servidores e redes gripadas. Ele deu uma gargalhada que quase reiniciou o sorriso com a chapa voando boca a fora. Finalizamos por ali, mas segui pensando se o diálogo seguisse:
— Tomara que tu não cobre consulta por minuto igual meu doutor…
Falaríamos sobre tecnologia, sobre como tudo anda rápido, sobre como as pessoas agora fazem check-up com o Google antes de procurar ajuda, sobre como tem aplicativo até pra lembrar de tomar água. Ele dizia que o mundo estava cada vez mais técnico, e cada vez menos pessoal.
Lá pelas tantas, depois de termos encerrado o diálogo pessoal e mental, ele disse:
— Me desculpa pelas brincadeiras. Vai que tu não gosta, né?
E aí foi minha vez de sorrir com o canto da boca:
— Nada de desculpas, de jeito nenhum. Precisamos de bom humor, porque humor é coisa séria.
Ao se despedir e sair, naquele instante, lembrei de Bergson, o filósofo que disse que o riso é uma forma de sanção social, um jeito gentil de corrigir rigidez, de devolver movimento à vida. O humor, no fundo, é um espelho — daqueles que mostram onde viramos autômatos e nos convidam a desacelerar, respirar, lembrar que somos humanos. O psicanalista Abrão Slavutzky, vai escrever também o livro Humor é coisa séria.
Num tempo em que a gente vive engessado entre notificações, deadlines e automatismos, talvez o riso seja o último recurso que resta pra manter a alma atualizada.
E naquele dia, ao lado de um senhor que usava bengala e sabedoria com a mesma leveza, aprendi que nem toda conexão precisa de senha — algumas só precisam de um pouco de graça, mesmo que ela quase possa saltar da boca em uma boa gargalhada.