Opinião

O Melhor Amigo

O Melhor Amigo

Texto por Pedro Dytz Marin

Não tenho fé. Ao menos não está presente em mim aquela tão conhecida crença do Criador, ou até mesmo da Criação. O que eu acredito é, acima de tudo, fácil de explicar, não é simplório, mas simples: não acredito em nada. Criações em sete dias (com direito a descanso no último), explosões monumentais, quebras de cascas de ovos. Não acredito em nada, e nem me esforço para firmar dentro de mim tal descrença. Apenas não acredito, mais do que isso, não questiono.

Não sinto aquela tormenta, angústia e, aliás, não tenho a menor curiosidade sobre “A Origem” ou “O Final”, capítulo que muitos preferem alterar para “O Recomeço”. Me importo com o que aconteceu onde estava, o que experimento onde estou, o que vou deixar onde não estarei mais. É assim, a vida passa, e com ela eu sigo. Sem tentar desvendar a dúvida do incomprovável, e mesmo assim, tentando avistar a beleza do invisível. Passadas as explicações da minha crença, vamos às outras.

“Fé não se discute”, frase interessante, enrijece meus ouvidos. A partir de agora, é preciso dizer que, vou discutir sobre fé, indo mais longe, vou discutir fé. Mas não a fé formatada, imposta, vinda de tradição, não vou questionar sobre a fé como dinastia. Vou levantar aqui a fé singular, exclusiva de cada leve mente habitante de cada vagaroso olhar.

Digo tudo isso porque antecipo que, uma fração do conceito de fé me encanta, me enche o peito de paz e felicidade. Por outro lado, classificações mais antiquadas e populares do vocábulo me incomodam, me trazendo (ao contrário da interminável dúvida da “Criação) inconformação. Confesso que não tenho muito respeito pela fé representada em santuários, personagens, símbolos, políticos. Inclusive, não acredito na fé representada em capítulos, versículos e salmos. A causa da minha indignação em relação aos exemplos citados é a atribuição de certo significado a eles: são designados à fé. Exatamente, não acho que textos sagrados, templos religiosos, símbolos característicos sejam parte da fé, na verdade, creio que possam ser integrados a alguns diversos e intensos ‘tipos de fé’. Mas as religiões, ah! Essas são muito mais ideologias do que crenças limpas e verdadeiramente fiéis.

Não estigmatizo as religiões com raiva ou soberba, não, discordo da ideia de que escolher uma religião é como torcer para um time ou votar em um candidato. No meu sentir, uma ideologia é mais forte, contém princípios e identidades. Uma ideologia pode sim trazer profundas admirações a homens que se sacrificam por seus próximos ou outros que chegam ao ponto mais pacífico possível, mas isso são proximidades que o privilégio da religião traz, contos e lendas de heróis que podem sim ser magníficos e muito simpáticos, mas que não são de forma alguma o segredo mais bem guardado dos iluminados pela genuína e cristalina fé. Não são seus melhores amigos.

Quero me fazer entender. É o seguinte, fé, na minha jovem e humildíssima opinião, é a maneira de quem autenticamente se comunica com si mesmo, mas não com o rosto que serve de vitrine a todos, e sim com as obscuridades mais insanas e com as certezas mais absolutas pertencentes ao (na minha opinião) crente ideal.

Me encanta acreditar que Deus, ou o deus que todos procuram não seja o responsável pela criação ou pela orquestra do mundo inteiro, e sim seja nada mais, e com certeza nada menos que o mais ecoante silêncio após os pedidos e agradecimentos das preces. Eu realmente consigo imaginar (e não visualizar ou personificar, como tantos arriscam fazer) o deus que é a muleta quando alguém não aguenta mais o peso que é obrigado a sustentar, o trampolim de quem agradece às conquistas, a coberta que cura os inquietos do corte seco do frio, o amigo, que sempre estará ao lado, apesar de tudo.

Tendo a me convencer, de que Deus existe e não existe ao mesmo tempo para quem tem fé. Afinal, o fiel se encontra com a paz ao relatar em pensamentos ou até murmúrios seus problemas, vitórias, lamentos, orgulhos ao seu único e completo deus.

É claro que isso também dá razão àquela frase: “Deus está morto”, que insinua que todos podem matar Deus dentro de suas mentes. Mas é aí que Nietzsche pode ter errado largamente, porque se há vida, pode haver fé, e se há fé, há a vida do deus de cada um.

Depois de toda essa reflexão, quero dizer que gostaria de ter fé, gostaria de ter o meu deus, contudo, não tenho, não consigo estabelecer a obstinada conexão com um ouvinte. Talvez Deus esteja morto em mim, talvez não tenha nascido, talvez não venha a nascer, talvez não exista mesmo. Quem sabe? É possível que ninguém saiba ou se conecte com o Deus que descrevo aqui, talvez Ele tenha mesmo criado tudo em sete dias, com direito a descanso no último.

Mesmo assim, sigo não compreendendo a existente “fé” de muitos. Por exemplo, responsabilizar alguém pela brisa alegre do verão ou pelo vento violento do inverno; pela água transparente de uns e opaca de outros; pela morte dos queridos e pela vida dos solitários.

Entendo a busca por um amigo, não entendo a busca por um deus.