O ignorante é aquele que não percebe algo. A definição vem do latim in (negativo) gnarus (sabedor). O ignorante tem uma vida limitada, pois é incapaz de perceber o mundo ao seu redor. O ignorante vai contra o que Aristóteles afirma nas primeiras linhas do seu livro Metafísica: “Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer: uma prova disso é o prazer das sensações, pois, fora até da sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as visuais.” Sendo assim, eu acredito que é dever do comentarista saciar a curiosidade, criar as imagens dos acontecimentos não apenas pela narrativa dos fatos, mas também para trazer à tona acontecimentos ou possíveis desdobramentos que carecem de atenção. Em última análise, o comentarista deve ajudar o leitor a enxergar a verdade acima das suas inclinações pessoais, profissionais ou políticas rompendo a bolha da ignorância.
No meu último artigo, fui extremamente otimista em relação ao investimento em ações. Narrei fatos que possuem uma boa probabilidade de acontecer. Todavia, não mencionei risco algum, ignorei-os. A ação seria temerária, se não tivesse sido proposital, de fato, quase um desafio pessoal.
A verdade é que o cenário base no mercado e meu é que teremos mais um período extremamente positivo para o mercado de ações, sustentado pelas expectativas de crescimento de produtividade oriundos das empresas ligadas à inteligência artificial.
A narrativa fica completa quando mencionamos ao menos três fatos: (i) valuation das empresas de tecnologia, (ii) mercado imobiliário comercial americano, (iii) política fiscal brasileira.
A tríade remete o investidor a sempre estar alerta mesmo em momentos os quais o mercado parece que subirá sem dificuldades. Inclusive, estes momentos marcam as grandes correções no mercado financeiro.
Dentre os motivos citados, há aquele que, embora seja menos provável, tende a ser devastador: o mercado imobiliário comercial americano (em inglês real state). Ele vem experimentando uma retração relevante tanto pelo aumento dos juros quanto pela baixa demanda. Após a covid muitas pessoas se negaram a voltar a trabalhar nos escritórios, o que atingiu em cheios o bolso dos investidores que compravam imóveis comercial, não raras vezes alavancavam-se, esperando o retorno sobre o capital adquirido.
Em épocas de juro próximo a zero, o mercado estava aquecido, imóveis valorizavam-se e o custo do dinheiro era baixo. A partir da mudança da política monetária do Federal Reserve, a chave virou. As dívidas ficaram mais caras ao mesmo tempo que os preços caíram e a vacância dos imóveis aumentaram.
O corolário é uma alta na inadimplência. Em março de 2023 vários bancos quebraram e o problema não foi mais grave porque o Fed agiu com rapidez e minimizou os impactos através do Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), uma espécie de FGC americano. Contudo, novas informações apontam para um provisionamento insuficiente por parte dos bancos para pagadores duvidosos, aqueles que tem pelo menos 30 dias de atraso.
Segundo o FDIC, bancos como J.P Morgan Chase, Bank of America, Wells Fargo, Citigroup, Goldman Sachs e Morgan Stanley viram a inadimplência imobiliária comercial triplicar e atingir mais de US$9,3 bilhões. No sistema bancário como um todo, a inadimplência atingiu US$24,3 bilhões mais do que dobrou frente um ano antes.
Embora ainda seja uma possibilidade remota, esse problema poderia surgir como um foguete a qualquer momento no mercado e derrubar o preço dos ativos. Por isso, um artigo com um conteúdo exclusivamente otimista flerta com a mentira. Pois, ignora o que realmente acontece ao redor, limita a visão do leitor e articula a narrativa para criar um efeito específico ao invés de trazer a verdade. Obviamente, esta não foi minha intenção no artigo anterior, mas vale o alerta, exemplos assim não faltam atualmente.