OPINIÃO

O Brasil anda na contramão do mundo

O Brasil anda na contramão do mundo

Enquanto os bancos centrais das economias desenvolvidas flexibilizam suas políticas monetárias, o Brasil caminha no sentido inverso. A autoridade monetária brasileira viu-se obrigada a subir os juros diante da alta nas expectativas de inflação. Ao mesmo tempo, a segunda maior economia do mundo anunciou um pacote de incentivos monetários e fiscais que promete resgatar a economia chinesa da crise.

Resumo do Mercado

O Ibovespa devolveu os ganhos do mês anterior e recuou 3,08%. Favorecido pela alta nos juros, o CDI voltou a ter o melhor desempenho entre os principais indicadores acompanhados pela maioria dos investidores brasileiros. O índice de ações americanas também teve um bom desempenho com o corte de juros nos Estados Unidos.

Cenário Macro

O clímax no mercado financeiro americano foi finalmente atingido com o início do ciclo de corte de juros. Na reunião de setembro, o Federal Reserve surpreendeu o mercado com um corte de 50 pontos-base.

Os dados de inflação ao consumidor apontam para redução da pressão inflacionária e o mercado de trabalho americano seguiu apresentando números mais fracos, embora em setembro a criação de vagas tenha surpreendido. Os riscos inflacionários agora concentram-se nos preços relacionados à habitação. No entanto, a narrativa do mercado dá como certo o “soft landing” da economia americana. Inclusive, Jerome Powell destacou que o corte de maior magnitude teve o intuito de evitar que o Fed fique atrás da curva, ou seja, que comece uma retração econômica antes dos juros estarem mais próximo de um patamar considerado neutro.

Ásia e Europa

O Banco Central Europeu reduziu em 25 pbs a taxa de juros na Zona do Euro. A preocupação com a saúde econômica da região aumenta na medida que os PMI’s apontam para uma forte retração no setor manufatureiro principalmente na Alemanha. A confiança empresarial recuou pelo quarto mês seguido e reafirma um clima econômico pouco favorável na Europa.

Diante de um cenário de uma economia fraca, a inflação da Zona do Euro caminha para a meta lentamente, mesmo que o setor de serviços ainda pressione os índices, assim como os salários que vêm recebendo a recomposição da inflação em um processo que deve apenas perder força no próximo ano.

Por sua vez, a China anunciou um pacote gigante de incentivos para a economia. Entre as medidas estão o corte das taxas de juros de empréstimos e hipotecas e a criação de uma linha de financiamento para apoiar as empresas que gostariam de realizar a recompra de ações.

O conjunto destas medidas, que carecem de maiores detalhes, chega em um momento que as conclusões de casas novas tomba 36,6% nos últimos 12 meses; a produção industrial cresce abaixo das expectativas; as vendas do varejo não dão sinais de melhora; e, por fim, a meta de crescimento do PIB fica cada dia mais distante.

Brasil

A retomada do ciclo de alta da Selic era esperada pelo mercado, porque as expectativas de inflação para os próximos trimestres descolaram da meta do Banco Central. A reação do COPOM foi subir os juros. A decisão unânime mostrou o comprometimento da autoridade monetária em manter a inflação sob controle como os investidores esperavam.

O crescimento do Produto Interno Bruto brasileiro tem se mostrado robusto. Mas os modelos de vários analistas apontam para um PIB acima da capacidade produtiva, ou seja, a atividade econômica estaria demasiadamente aquecida, possivelmente, pelo lado da demanda já que houve ampliação dos programas de transferência de renda e isto acaba por produzir um efeito inflacionário na economia. Nas entrelinhas dos números do PIB nota-se que os gastos do governo são o grande propulsor do crescimento. Desta forma, a preocupação com o risco fiscal cresce a cada dia, porque nenhuma medida estrutural foi divulgada para ajustar as contas públicas e melhorar a trajetória dívida/PIB do país.

Conclusão e comentários

A despeito do ambiente externo benigno para os mercados emergentes. O Brasil entrou na contramão do mercado mundial. Com o mantra gasto é investimento, a política fiscal expansionista do atual governo produz déficits fiscais altos e acaba gerando pressão inflacionária na economia deixando o Banco Central com poucas opções a não ser elevar os juros.

A consequência do aumento de juros pode ser uma recessão logo ali na frente, o que seria prejudicial tanto para a reeleição do atual governo quanto para a população que sofreria com desemprego e redução da renda.

O patamar dos juros reais está altíssimo, próximo a 6,5%, e já se ventila no mercado que uma ação efetiva do governo deve ser tomada na reestruturação de gastos, porque um custo de dívida desses seria insustentável.

Por outro lado, o maior corte de juros americanos desde a crise de 2008 em período de eleição presidencial trouxe nuvens negras sobre as ações do Fed. No caso da economia estar sólida e não haver sinais de recessão, como afirmado por Powell, por que realizar um corte de 50 pontos bases?

Em setembro, tivemos também a revisão dos dados de emprego a qual houve uma redução em 818 mil o número de vagas de emprego criadas no ano do que anteriormente divulgado. Ou seja, o mercado de trabalho não parece estar tão forte quanto o Fed diz.

O corte de juros americanos não foi usual e pode mostrar uma postura política, pois influencia diretamente as contas do governo americano que atingiu um custo de dívida de US$ 1 trilhão no ano pela primeira vez na história.

Se por um lado, a medida traz alívio aos bancos que sofrem com as perdas não realizadas nos seus balanços. Por outro, anima o mercado reforçando a narrativa do soft landing em um momento que a disputa presidencial caminha para a reta final. Qualquer sinal de recessão poderia ser terrível para os anseios de poder do partido democrata.

Mas o fato é que o discurso e ação do Federal Reserve são diametralmente opostos. Enquanto isso, no Brasil comemora-se os números do PIB ignorando os detalhes que trazem dúvidas sobre a sustentabilidade do crescimento econômico do país de longo prazo. Os conflitos geopolíticos também rondam o horizonte e podem desencadear mudanças abruptas no cenário. De todo modo, o Brasil segue na contramão do mercado mundial e a interferência partidária na condução da política monetária não parece ser mais exclusividade brasileira. A interferência política nas autoridades monetárias historicamente cria distorções no mercado e cria o ambiente perfeito para formação de bolhas e graves crises econômicas.