Não era hora

Há poucas semanas muita gente vinha dizer em público que não era hora de instalar uma CPI, seria inconveniente.

A menina de 15 anos que se vê grávida pensa que não era hora pra ela ter cedido à tentação, mas como resistir aos encantos do rapaz bonito e tão interessado?

Não era hora de ter cruzado o sinal vermelho naquela madrugada depois de uma festa boa e regada a álccol, lamenta o jovem motorista que agora só pilota uma cadeira de rodas.

Pois então… como seria bom ter uma bola de cristal para prever o desastre. Mesmo quando ele já tem alta probabilidade de acontecer, sempre temos o pensamento mágico do “comigo não ”. Caso a tal bola estivesse com a gente, além do caráter, teríamos um auxílio bem objetivo pra evitar ciladas como a traição, a maledicência, o ato falho que não tem volta. ( embora no trânsito já tem o Waze que é uma mão na roda.

Fico imaginando como pode ter se transformado a vida dos quatro estudantes de medicina que furaram o esquema de vacinação em Porto Alegre e tomaram uma dose de vacina fabricada por um laboratório e outra por fabricante diferente. Não pode e eles tinham conhecimento disto. Estarão tranquilos? Serão punidos de que forma? Conseguem dormir ou estão preocupados? Possivelmente não vivem drama ético ou moral, mas devem temer a expulsão da universidade, por exemplo. Ou seja, temem aquilo que é da vida prática e não da espiritual e há quem entenda que este momento limítrofe que estamos vivendo deveria servir para que nos encontrássemos com a essência e deixássemos o que é mundano em segundo plano. Só funciona até ali.

Aonde quero chegar é que não era hora para o Ministério da Saúde ter dito aos estados e municípios aplicarem todas as vacinas sem reservar a segunda dose. O Ministério por seu corpo político/técnico confiou na normalidade em tempos de anormalidade. Acharam que não haveria interrupção na entrega do IFA e na produção das doses.

Ora, num país em que quase nada funciona como um relógio, era de se esperar. Culpa das agulhadas na China desferidas pelo Presidente? Problema efetivo de logística e de demanda muito acima da capacidade de produção? Neste caso não importa, prudência era essencial. Ultrapassar o sinal vermelho podia mesmo dar problema. É de se entender que com a pandemia infectando cada vez mais pessoas e em grau de periculosidade crescente a aposta em aumentar o número de pessoas imunizadas com a primeira dose era um risco que valia a pena.

Agora, vá dizer às pessoas que esperam há sessenta dias pela segunda dose que foi um acidente? Tente tirar a angústia de quem não sabe sobre a eficácia do imunizante sem a segunda dose. Não há autoridade médica, científica ou política que garanta não haver problemas. É terrível. Não era hora.