Uma vez fui sarcasticamente chamada de miss simpatia, após um evento onde fiquei mais ouvindo que falando e não mostrei muito meus dentes diante de pessoas que claramente queiram falar só delas próprias e não me ouvir.
Aquilo me fez pensar em como eu estava me curando de algo que tinha vivido muito tempo sob o efeito, a tal positividade tóxica. A expressão, assim como a atitude, consiste em minimizar os problemas, empurrar tudo que é sentimento ruim para debaixo de um tapete e ver só o lado propaganda de margarina da vida. A tal da Poliana, personagem de livro clássico de autoajuda antes mesmo de ter esse nome, tem grande culpa nisso, sendo praticamente um manual de adestramento para uma cegueira positiva da sociedade.
Depois de um período difícil na vida, entrei nessa fase, onde ignorava minhas dores. Ria de tudo, achava que o arco-íris tinha um pote de ouro no final e ficava correndo atrás dele, mesmo exausta e, bem no fundo, não tão certa da sua existência. Encontrava muitas pessoas, sorria pra tudo e todos, mesmo para pessoas que não me tratavam bem ou quando minha vontade era de chorar. Fazia discursos de como não devemos nos preocupar tanto e que nosso pensamento positivo deve vencer os sentimentos ruins, tudo isso segurando a ansiedade dentro de um copo de cerveja.
Lembrei de uma amiga de infância que vivia um casamento sem palavras. Explico, um casamento onde assuntos sérios não podiam ser falados e onde o marido, um machista não auto declarado e criado cheio de preconceitos e estereótipos sobre relacionamentos, revirava os olhos para tudo que indicasse um início de conversa, e dizia que a única DR que ele respeitava era o disjuntor. A pobre falava comigo ou com as paredes, porque os problemas não podiam ser abordados dentro da casa. Mas ela sempre sorria, acho que fingia estar feliz, tentava ser agradável com todo mundo e sempre nos recebia muito bem toda vez que íamos na casa deles. Mas eu sabia que no fundo aquela casa estava ruindo, e me perguntava até quando ela ou o marido iam aguentar, pois ela já não sorria mais, esperando por uma DR que não fizesse cair o disjuntor do casamento.
Tanto minha amiga quanto eu quanto muita gente caímos no conto da positividade e gratiluz envenenadas. Sim, não tem nada de benefício em não enfrentar nossas tristezas, problemas, perdas e traumas. Nossos defeitos tem lugar de fala no nosso ser tanto quanto nossas qualidades, e não dar espaço nem importância a eles é como deixar eles lá, amordaçadas num cativeiro eterno nas nossas mentes, criando assim um novo problema.
Não faço apologia à reclamação, não me entenda mal, apesar de ser fã da Dona Anésia _ personagem fictício do cartunista Will Leite. Dona Anésia reclama de tudo mas tem uma sinceridade excepcional, que admiro muito, mas que faz doer o coraçãozinho de qualquer Poliana de plantão. Enquanto Poliana vê o copo meio cheio, Dona Anésia vê o copo meio vazio mas transbordando de sincericídio invisível.
Numa sociedade que consegue fazer selfie ostentação gratiluz enquanto pessoas morrem de fome e doenças frutos dessa mesma organização social, sob o pretexto de que não tem nada que podemos fazer sobre isso, acho a Dona Anésia e seu mau humor muito mais real e divertido que o da Poliana.