COLUNA

Mais Política ou mais Internet?

Graças à onipresença das redes sociais, a política deixou de ser um assunto esporádico para se tornar um tema presente, e tenso, no cotidiano

Imagem: Google Gemini
Imagem: Google Gemini

A onipresença das redes sociais e a constante torrente de informações políticas levantam uma questão fundamental sobre a sociedade brasileira contemporânea: estamos de fato mais politizados ou apenas mais expostos e conectados aos debates políticos? A resposta não é simples e aponta para uma complexa intersecção onde a conectividade impulsiona uma forma de politização, mas uma politização com características próprias e, por vezes, problemáticas.

A evidência sugere que não se trata de um fenômeno de “apenas mais conectados”. O brasileiro médio está, de fato, mais engajado com a política em um nível pessoal e emocional do que em décadas passadas. No entanto, a natureza desse engajamento foi profundamente moldada pelo ambiente digital.

Uma Maior Politização

Diversos indicadores apontam para um aprofundamento da identidade política. O principal deles é o crescimento da polarização afetiva, um conceito que descreve não apenas a discordância de ideias, mas uma crescente antipatia e desconfiança em relação ao “outro” político. Pesquisas de opinião no Brasil demonstram que a política extrapolou o debate público e invadiu as relações pessoais. Um estudo do instituto Quaest, por exemplo, revelou que 54% dos brasileiros conhecem alguém que rompeu uma amizade ou relação familiar por divergências políticas.

Essa cisão emocional indica que o posicionamento político tornou-se um marcador de identidade mais forte e central na vida das pessoas. A política deixou de ser um assunto esporádico, discutido apenas em períodos eleitorais, para se tornar um tema presente e, muitas vezes, tenso, no cotidiano.

Além disso, a influência das redes sociais no comportamento eleitoral é inegável. O DataSenado apontou que as mídias sociais influenciam a decisão de voto de 45% da população. Isso demonstra que a atividade online está se traduzindo em ações políticas concretas, o que caracteriza um aumento da politização.

Apenas Mais Conectados

Por outro lado, a qualidade e a profundidade desse engajamento são questionáveis. A conectividade constante nos insere em um ecossistema de informação que favorece o engajamento superficial, conhecido como “ciberativismo” ou “slacktivism” (ativismo preguiçoso). Curtir, comentar e compartilhar conteúdo político exige pouco esforço e não necessariamente se converte em participação cívica tradicional, como o trabalho voluntário em campanhas, a filiação a partidos ou a participação em protestos presenciais.

O grande motor dessa conexão constante são os algoritmos, que personalizam o conteúdo que consumimos. Ao nos mostrar mais do que gostamos e concordamos, eles criam bolhas informacionais e câmaras de eco. Dentro desses espaços, a percepção é a de um debate político intenso, mas, na realidade, estamos sendo superexpostos às mesmas ideias, reforçando nossas próprias convicções e aumentando a hostilidade a visões de mundo diferentes. Essa dinâmica cria a sensação de politização, quando, em muitos casos, trata-se de uma radicalização de posições pré-existentes.

Adicionalmente, a proliferação de desinformação e fake news gera um volume massivo de “ruído” que se passa por debate político. Um cidadão que consome e compartilha notícias falsas está, sem dúvida, conectado ao universo político, mas dificilmente pode ser considerado mais bem politizado, no sentido de ter uma compreensão mais profunda e acurada da realidade.

Diante do exposto, é que estamos mais politizados porque estamos mais conectados. A conectividade não é um fenômeno separado, mas sim o catalisador e o moldador da politização atual.

Essa nova forma de politização é caracterizada por:

  • Intensidade Emocional: As identidades políticas são mais sentidas e defendidas com mais paixão, muitas vezes levando a conflitos na vida pessoal.
  • Fragmentação: O debate ocorre de forma segregada, dentro de bolhas ideológicas que limitam o diálogo e a construção de consensos.
  • Superficialidade Potencial: O engajamento pode, por vezes, ser performático e não se aprofundar em uma participação cívica mais robusta.

Portanto, a questão não é uma escolha entre “politizados” ou “conectados”, mas sim o reconhecimento de que a conectividade inaugurou uma era de politização intensa, emocional e fragmentada, cujas consequências para a democracia brasileira ainda estão sendo compreendidas.