Cada comunidade é forjada com trabalho, esforço e na maioria das vezes, com uma boa pitada de competição. Ânimos acirrados são uma espécie de dínamo a impulsionar com uma energia que não tem os mais nobres princípios éticos ou humanitários, ainda assim pode produzir resultados satisfatórios e trazer benefícios.
Quem vive há um bom tempo em Bento Gonçalves já deve ter ouvido falar de algumas destas rivalidades. Na política, por exemplo tivemos Mônaco x Achyles, depois Mincarone x Pozza, PDS x MDB. Tinha também a rivalidade da turma dos “bundinhas” do Clube Aliança x a turma do Clube Ipiranga na Cidade Alta.
Mas, talvez a mais curiosa de todas: havia dois hospitais na comunidade. Um era e ainda é o hospital Tacchini o outro pertencia à família Giorgi. Não conheço em profundidade as nuances. Com certeza o amigo Bacca , que em poucos dias traz ao mundo suas memórias na obra “Janelas da Memória”, saberá algumas delas. O fato é que na cidade, que ao contrário de Caxias, só tem um time para torcer, os médicos e boa parte da população tinha afinidade com um dos dois hospitais e por consequência era oponente da outra turma.
Eram outros tempos, e pelo menos no caso das turmas dos dois clubes, havia tempo de sobra pra disputas pelas garotas ou por lançar alguma moda. Mas a referência à rivalidade entre as instituições de saúde tem o porquê de serem lembradas. Hoje médicos estão no centro de uma disputa que certamente terá sequelas permanentes em relacionamentos sociais futuros. Há os defensores do tratamento precoce e os, como dizer, estritos seguidores da ciência? Ou, como vi há pouco: a medicina científica x medicina de evidências.
Todos os dias se lê ou escuta uma história segundo a qual cidades inteiras ou pessoas específicas são citadas como tendo passado quase incólumes pela Covid 19, porque logo no início de sintomas relacionados ao vírus receberam remédios como a Ivermectina e mais um coquetel de drogas leves. Uma evidência, não uma comprovação.
A disputa é tal que a administração do hospital Tacchini – o Giorgi ficou mesmo só na lembrança – não quis se meter na bronca. “Por favor, não colem no hospital posição a favor ou contra o tratamento precoce”, pediu, quase em tom de súplica, o administrador Hilton Mancio, consciente das implicações em defender uma ou outra aposição em tão acirrada e indefinida disputa.
Venho conversando com alguns médicos e ouvindo suas opiniões em áudios de whats ou em entrevistas à mídia. É impressionante que exponham uma série de argumentos diametralmente opostas. E, vamos lá, quando falamos de médicos não estamos citando políticos. Portanto, não há espaço para acomodação entre as duas teorias. A defesa de uma ou outra tese é definitiva, sem espaço a dúvidas.
E como ficamos eu e você? Como fica o comerciário ou industriário que tem a mãe com sintomas? O conselho é que se você deseja o tratamento precoce, tão insistentemente defendido pelo presidente Bolsonaro, procure um médico desta corrente. Mas, vamos convir, numa crise sanitária deste porte, conseguir ser atendido por um médico atencioso é uma benção. Ter que buscar uma segunda opinião ou receita, é questão de persistência em momento de fragilidade. Missão para fortes e convictos.