Vou continuar falando da minha viagem porque acho que todo mundo que dá um pouco do seu tempo pra ler minha coluna merece saber algumas verdades sobre mim. Eu sou uma viciada, como provavelmente muita gente aqui deve ser, sem ao menos saber ou admitir.
Estamos passando pela Sierra Nevada, uma cadeia de montanhas com paisagens lindas, campings em lugares remotos, às vezes sem água, nem luz, muito menos sinal no celular ou internet. Mas acredite, a experiência é divertida e revitalizante.
Tem quem vá com seus imponentes RVs (do inglês recreational vehicle) ou motorhomes, mas tem a gente que vai toscamente de barraca, colchão inflável e muita boa vontade. A comida fica guardada nos canisters (armários de ferro com trincos) para os ursos não pegarem ou incomodarem a nós, campistas invasores do espaço deles.
De dia é escaldante, de noite é congelante. No parque Yosemite, estamos fazendo churrasco e olhando a Super Blue Moon, numa experiência que não pude postar nas redes sociais, fazer lives ou compartilhar com os amigos e família pelo WhatsApp. Fui obrigada a aproveitar o momento, o cheiro de fumaça da fogueira, a lua nascendo e crescendo no meio das montanhas nevadas, refletida no Lee Vining Creek, que passa ao lado da nossa casa temporária.
No momento em que saímos de Los Angeles em direção às montanhas, eu já sabia que não teria sinal de internet, porque não foi minha primeira vez e, espero, não vai ser a última que vou a esse lugar. Eu deixei tudo programado no trabalho, respondi todos os e-mails e avisei à família e amigos que ia ficar incomunicável. Parecia uma fumante que tinha um último cigarro e sabia que não poderia comprar mais pelos próximos dias. Comecei a me perguntar como seria se acontecesse alguma coisa, se alguém precisasse falar comigo com urgência, se algum cliente tivesse uma demanda urgente, se eu não soubesse das últimas notícias, se, Se, SE!!!
Controlada a ansiedade e com o pé na estrada, tudo estava lindo e comecei a aproveitar cada momento de um jeito totalmente diferente do meu dia normal. Meu marido foi pescar no quintal do camping, eu caminhei na floresta, fiz ginástica na relva em frente ao rio, deitei pra ler um livro de papel em pausas olhando pras montanhas. Confesso que tentei achar sinal algumas vezes, mas a vontade de me conectar foi passando.
Numa das caminhadas, passei pela guarda florestal, que estava conversando com uma pessoa num carro. O rapaz no carro estava louco, desesperado, querendo achar sinal de internet ou wifi no parque. Não era uma emergência que a guarda pudesse ajudar, mas para ele era uma urgência achar um wifi para se conectar, pois, veja só, ele já estava há dois longos e intermináveis dias sem sinal.
E como a gente sempre enxerga problemas nos outros, mas não na gente, comecei a pensar em como o coitado era viciado em internet e não conseguia aproveitar aquele lugar maravilhoso. “Para, te enxerga, Anna, você também não vive sem internet.”
Fiquei pensando no meu avô, que nasceu na Nova Sibéria em 1914, quando a maioria das pessoas se comunicava por carta ou boca-a-boca, e que morreu em 2012, operando um celular. Lembrei dos vários cartões postais que tenho guardados das viagens que minha mãe fazia pelo mundo. Lembrei das cartas que trocava com uma amiga quando mudei de cidade, na adolescência. Lembro quando datilografei meu trabalho de conclusão de curso na faculdade, e agora digito ou gravo páginas e páginas trabalhando do meu celular. Penso na minha filha, que nasceu com a internet e com quem consigo falar ou ver quase diariamente, mesmo morando em lados opostos do mundo. E imagino como serão meus netos ou novas gerações, que talvez já venham de fábrica com um chip implantado.
Sobre a fedida do título, esclareço: nessa viagem são alguns dias sem banho, mas bem defumada da fumaça da fogueira e do churrasco.