“Só depois que o telégrafo, o telefone, rádio, TV e internet foram descobertos se descobriu que o maior problema da comunicação é a de perto”. Uma amiga publicou a frase, desconheço o autor, mas tem muito a ver com a fala de David Coimbra esta semana acerca do assalto em Criciúma.
Em sua retratação – a Kelly Mattos também pediu desculpas de uma maneira que dificilmente se verá novamente – David reconhece que se não teve sua ironia reconhecida, o erro é do emissor e não do receptor da mensagem.
Acompanho David, Kelly e Potter (que está em férias) há algum tempo e não diariamente. O programa deles virou relevância depois que obtiveram frases importantes de gente não menos importante. Graças a uma produção eficiente e a um canal de reconhecida penetração, entre um e outro ator global, as vezes escutam ministros, governadores e ex presidentes. Então viraram fonte para órgãos jornalísticos do centro do país.
David é respeitado pelos colegas pela coragem, por pensar e falar até a borda do aceitável e às vezes ultrapassando limites. É irônico, provocador e diz coisas que outros não diriam. Vive este desafio diário, de dizer o diferente e com talento. Isto lhe confere uma certa aura para admiradores e desejo de revanchismo aos que discordam de seu posicionamento e, vá lá, pedantismo. Mas, como ser diferente e não provocar ira além da admiração?
O papel da Kelly é diferente. Virou comentarista há pouco tempo, com texto assinado (bom texto, por óbvio), afinal os veículos de comunicação precisam renovar seus quadros. Mas o papel dela no programa é o de conferir leveza e humor além de ser uma espécie de mediadora. No infausto dia dos comentários tecendo loas aos assaltantes, Kelly foi seduzida e esqueceu de seu papel. O alarme não soou. Virou tiete e avalizou as brincadeiras de David sem contestar. Assinou e infortunadamente ainda fez notar que crime maior do que assaltar, seria o de fundar um banco. A Kelly entrou na “viagem” do colega, quando a ela estava destinado o papel do contraponto. Deveria ter dito um, “pera lá David, tu estás de brincadeira, né?” Só isto poderia ter evitado os pedidos de desculpas, a reação em cadeia na internet, o rompimento dos patrocínios e até esta modesta análise do caso.
Eu sei, é fácil de dizer agora, mas como bem notou a amiga Cláudia, até o deboche deve respeitar fronteiras. E, cabe salientar, fazer programa ao vivo tem suas armadilhas. No calor do momento ânimos podem ficar exaltados, teses absurdas ganham ar plausível e é preciso conter egos e piadas carregam o perigo de ser mal interpretadas.
Em temos de Sleeping Giants – aquele movimento que boicota sites que dão voz às fake news – o corte de apoios chegou à mídia tradicional. Vivemos um tempo em que há pouca margem à manobras e o programa daquela terça-feira viralizou nas redes sociais. Tivesse ficado restrito a quem ouviu a emissora a revolta não chegaria ao ponto que chegou. David flertou com o perigo e despertou haters que já nem o ouviam mais.
Aqui em Bento, na semana que encerramos houve fato interessante também. A delegada concedia entrevista acerca de um crime terrível: o pai matou filho de quase três anos em Garibaldi. Os veículos locais tinham cobertura em live. O dono de um veículo, pouco afeito ao front da notícia ao vivo tascou uma pergunta indevida. Estava nervoso, preocupado e leu mal o que a retaguarda lhe pedia: “com quem ficará a guarda da criança?”, logo se deu conta da gafe e se desculpou.
Também neste caso o julgamento das redes sociais foi imediato e inclemente com o autor do ato falho. Não houve concessões. É assim que costuma ser com o jornalista do interior, com o astro da capital ou com o goleiro que depois de pegar um pênalti toma um frango no fim do jogo. O que sobressai é o erro.