Corrigindo uma injustiça

Há alguns dias, li, em uma rede social, numa das abordagens acerca do impeachment do então Prefeito Daniel Guerra, uma crítica à Vereadora Paula Ioris, relatora do referido processo na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul.

Tive o ímpeto de retorquir de imediato, porque não era uma crítica propriamente dita: era uma ofensa e uma injustiça, sobretudo, do tamanho do mundo (para bem se dimensionar a sua extensão): a pessoa dizia que ela, Paula Ioris, usava da tragédia pessoal da perda do filho para tirar proveito político do fato.

Hoje escrevo para essa pessoa cujo nome nem lembro. A única lembrança que dela guardo é a injustiça que praticou e que peço vênia para desconstruir neste espaço, porque a tal pessoa não sabe o que fala. Creio que não tem ideia de como é perder um filho e ter de lidar com isso; acredito que ela não sabe como é sobreviver a um drama desse porte e precisar se reinventar para não enlouquecer.

Paula Ioris é Psicóloga de formação. Tinha uma carreira brilhante e segura no Hospital do Círculo, quando a tragédia bateu à sua porta: teve um filho amado covarde e brutalmente assassinado junto de outras duas pessoas. Por quê? Porque o menino estava no lugar errado na hora errada. Por isso foi morto. Foi no dia 24 de janeiro de 2012; disso não esqueço, pois é o dia do aniversário de minha filha mais nova.

Lembro como se fosse hoje, quando ela e o marido vieram ao meu gabinete, ainda atordoados pela dor da perda, incrédulos até, desejando que tudo não passasse de um pesadelo que não viam a hora de acabar. Muitas lágrimas, muitas dúvidas, muita angústia, muitas perguntas, quando eu pedi um voto de confiança: “deixa comigo, Paula. No âmbito do processo, farei tudo que estiver ao meu alcance para que os assassinos do teu filho não fiquem impunes”.

Aquele foi um dos crimes mais horrendos em que oficiei como Promotora de Justiça em Caxias do Sul e eu não poderia falhar, como, de fato, não falhei. Chorei muito também. O inquérito policial continha, entre outras cenas e provas chocantes, o vídeo dos dois delinquentes matando o filho da Paula Ioris (um assassinato filmado), coisa que eu e o Plenário do Júri vimos, mas ela, Paula Ioris, nunca quis ver.

No âmbito do processo, tudo transcorreu como delineei: um modelo exemplar de resposta penal: os réus foram condenados. Eles são do tipo que nunca deveriam sair de onde hoje se encontram, ou seja, na prisão. Nada de impunidade na justiça dos homens. Porém, no plano da realidade perceptível, Germano Ioris estava morto e nada mais havia para ser feito a respeito.

Será? Não!

Paula Ioris, a despeito da dor, entendeu que havia muito a fazer, não para si, mas para os outros. Viu muito claramente que a efetiva punição dos algozes de seu filho foi um dos fatores que lhe permitiu continuar vivendo.

Quantos pais e mães não têm a mesma sorte de ver os matadores de seus filhos punidos? Não raro, precisam cruzar com os assassinos pelas ruas de seus bairros, ou mesmo sair ombreados com eles, soltos, do Tribunal do Júri, porque é isso o que permite o nosso sistema legal e constitucional.

Enquanto milhares de pessoas se limitam a reclamar da situação, ela, Paula Ioris, resolveu arregaçar as mangas e agir. Foi ser a voz desses milhares de pais e mães na luta contra a impunidade. Fez de sua vida uma batalha contra a violência.

Pessoalmente, eu queria encontrar uma Paula Ioris em cada esquina, em cada Parlamento, em cada Administração Pública, lugares tão carentes da noção de “bem comum” e de gente muito interessada em, realmente, melhorar a vida em sociedade, para que possamos deixar um mundo melhor para gerações futuras.

Enquanto a imensa maioria reclama, reclama e reclama, mas não está nem um pouco disposta a ter uma atitude efetiva para ver o país melhor; enquanto outros criticam por criticar, sem conhecer, ela, Paula Ioris, depois de juntar os destroços do que sobrou de si, está travando luta intensa contra a impunidade e, dentro do que lhe é possível, fazendo para nós todos a diferença.

Vejam, ela não precisava nem busca nada para si. Para si, só tinha a dor dilacerada. Mesmo assim, decidiu “construir pontes”, para caminhos melhores para aqueles que compartilham do mesmo drama.

Por isso, quero dizer à pessoa autora da crítica acima referida: você pode não gostar de Paula Ioris, você pode não compartilhar das ideologias políticas dela, você pode divergir dela em tudo: mas você não pode, pena de ser a expressão da ignorância, dizer, sem conhecê-la e sem conhecer a história dessa “sobrevivente”, que ela faz de sua tragédia pessoal um meio para se promover politicamente, pois quem tem a grandeza dessa mulher não precisa promoção; são só aplausos, porque luta por você e para os seus também.