A tradução do verbo inglês to bet para o português é apostar. Logo no início da moda das apostas esportivas online, o brasileiro tornou a palavra da língua inglesa um substantivo. O termo “fazer um bet” tornou-se popular.
Eu particularmente lembro do bet365 e suas propagandas incessantes com pop-up quase infinitos. Com o tempo outras empresas foram surgindo. Invadiram com anúncios a TV e a internet. Não demoraram muito para aparecerem no peito das camisetas de diversos clubes brasileiros. Até, finalmente, tornarem-se o patrocinador master do maior evento esportivo do Brasil: o Campeonato Brasileiro Série A.
A estratégia de conectarem-se com o esporte que é a paixão do brasileiro, o futebol, para sutilmente adentrarem nas casas e nos corações de milhões de brasileiros – homens e mulheres, tios e tias, avôs e avós – foi tão eficaz que pouco discute-se aspectos legais ou sobre vícios em apostas.
A voz crítica emergiu das varejistas. Estas empresas enfrentam um longo período de inflação e juros altos que causaram sobretudo a redução do consumo. Elas também viram a inadimplência disparar, as vendas cessarem, as margens sumirem.
Antes as varejistas eram tidas como as vilãs da prosperidade, símbolos do puro consumismo. Agora foram substituídas pelas recém-chegadas casas de apostas online. Alguns nomes do varejo falam em desvio do consumo dos brasileiros para as apostas. Um levantamento do Strategy& revela que em 2023 a nova moda do povo movimentou R$100 bilhões e chegará a R$130 bilhões em 2024.
As bets, por sua vez, argumentam que o número está fora da realidade. Apontam que um estudo do Itaú é mais realista. Segundo o relatório, o prejuízo seria de somente R$24 bilhões. Sendo assim, o número estaria mais condizente com a verdade, pois considera as entradas e saídas dos apostadores.
Diante de tamanha queda de braço o governo tenta fazer valer uma nova regulamentação sobre as empresas de apostas esportivas atuantes no país. Embora o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não admita que o foco seja exclusivamente arrecadação, a expectativa é incrementar em R$ 3,4 bilhões as contas do governo.
Pois bem, outro estudo do Instituto Locomotiva mostrou que são as classes de renda mais baixas (C, D e E) que estão sendo mais atingidas pela simbiose envolvente entre futebol e jogos de azar. A renda destas famílias está cada vez mais comprometida com as apostas. Além disso, o setor de educação também sente os efeitos dos jogos de azar. A Educa Insights descobriu que 30% das pessoas que responderam a pesquisa afirmaram que as apostas comprometeram seus planos de graduação.
A paixão tem sido tão arrematadora que se estivéssemos em período eleitoral, não seria surpresa ver algum candidato prometer a criação de uma bolsa bet para as famílias mais pobres com a nobre intenção de fazer com que os menos abastados possam viver da profunda alegria de ver seu time vencer e ainda ganharem uns trocados com isso. Certamente, ainda afirmar-se-ia que a intenção é incentivar o setor de consumo, assim evitando que ele fosse prejudicado pelo desvio de recursos.
A raiz do problema sem dúvidas não está nas casas de apostas, nem no futebol, muito menos nas varejistas. Ela está nas cabeças das pessoas, vazias dos conhecimentos básicos de educação financeira e cheia de crenças sobre a possibilidade de enriquecer rapidamente através de meros toques na tela do celular. O desvio está na educação, no planejamento, na conduta, na falta de incentivo ao trabalho. Afinal, mente vazia é oficina do diabo. Mas como estamos no Brasil, ao invés de vermos melhoras e soluções eficientes nestas áreas, talvez vejamos a criação do programa: “bolsa bet para todos”.