Vou confessar, dentre vários livros de ficção famosos que não li, está a Bíblia. Novo, velho, millennial testamento, nunca passei perto de nenhum deles.
Mesmo não tendo nenhuma orientação religiosa, respeito todas as religiões, desde que elas também respeitem as outras e a minha, que no caso é não ter religião.
Enfim, voltando a não ler a Bíblia, mesmo sem querer, já fui exposta a partes dela. Certa vez, uma tretona aconteceu na universidade onde eu trabalhava, envolvendo dois alunos, e alguns professores foram chamados para uma reunião, pois a coisa estava tomando proporções bíblicas – perdoai-a, senhor da linguística, ela não sabe escrever sem trocadilhar.
Eu vou ser sincera e dizer que não lembro bem o que aconteceu, mas me lembro até hoje que, ao argumentar, o aluno acusador expôs suposições e conjecturas, deixando todos sem saber o que falar, e o acusado sem saber como se defender de algo que não existia. Estamos falando de uma era pré-internet, onde as fofocas voavam no boca a boca, na rádio corredor e sem prints, mas com muitos “não vi, mas conheço o primo do amigo do tio de quem viu e me contou”.
Um dos professores na reunião, ex-padre e muito sábio, vendo claramente o que tinha acontecido ali, lacrou com a parábola das penas ao vento, que, resumindo, fala de como meias verdades e mentiras são como um caminhão de penas jogadas ao vento: se espalham rapidamente pra todos os lados, mas são impossíveis de serem recolhidas em sua totalidade, deixando no ar a dúvida sobre quem foi caluniado.
Como tenho TOC (Transtorno obsessivo-compulsivo) de organização, essa parábola me assombra até hoje. Quis ajudar a recolher as penas do aluno acusado, mas nunca ninguém vai conseguir. E isso me assombra mais do que a minha mania de organização.
Na eleição de 2024, um dos candidatos em São Paulo não espalhou penas, mas um zoológico inteiro de plumas e penachos, disseminando não só notícias falsas como um documento falso, pra criar uma prova falsa contra o seu oponente. A farsa foi logo desmascarada, mas pasmem, continuo vendo pessoas disseminando a notícia falsa e apoiando o verdadeiro criminoso, o pavão coach.
Você pode não gostar de um candidato, você pode não gostar de um partido ou de um posicionamento político, mas você não pode basear a sua simpatia ou escolha em plumas que foram jogadas ao vento, especialmente se elas chegaram a você pela cauda de um pavão sinistro.
Lembro bem da cena do candidato de direita e republicano John McCain, em um comício em 2008, refutando uma eleitora que insistia em dizer que Obama era árabe, insinuando que ele não era americano de nascença e um terrorista, baseada em fake news. McCain pegou educadamente o microfone da mão dela e disse que eles não concordavam em várias questões fundamentais, mas que Obama era um homem decente. Eu nunca votei no McCain, mas acho que ele também era um homem decente.
O que está acontecendo hoje na política mundial é o oposto disso, com eleitores catando penas que chegam jogadas pelo algoritmo sem nem se preocupar em saber da verdade. O mundo virou um imenso travesseiro, com penas, plumas e pavões que nos afogam em suas mentiras calculadas e que nunca serão totalmente desmascaradas.
P.S.: O jornalista Fernando Guedes chamou o espalhador de penas de aldrabão e pusilânime, e previu que o disruptivo não iria para o segundo turno. Felizmente, ele acertou na previsão, e o voo do coach pavão nada mais foi do que um voo de galinha, por enquanto.