Opinião

As palavras que derrubam

As palavras que derrubam


Junho foi um mês marcado pelo alívio externo e pelo aumento das tensões internas. As falas do presidente brasileiro repleta de críticas à independência do Banco Central e a resistência em admitir cortes necessários nas contas públicas atingiram como um raio o mercado doméstico. O risco percebido pelos investidores se traduziu em uma expectativa de inflação mais alta, o que fez os juros futuros dispararem, afugentou os investidores estrangeiros, derrubou a bolsa e impulsionou o dólar ao patamar de R$5,70.

Resumo do Mercado:

O primeiro semestre foi terrível para o Brasil. O real teve um dos piores desempenhos entre as moedas mundiais e a bolsa brasileira sofreu um forte revés em contraste com as demais bolsas mundiais.

Cenário Macro

O apetite ao risco segue limitado em virtude das sinalizações que vem da economia americana. Embora os dados de PIB do 2T24 devem vir bons, algo próximo a 2,09%, as vendas do varejo mostraram certo arrefecimento econômico.

A inflação deu sinais de enfraquecimento. O deflator PCE, por exemplo, veio com deflação de -0,01%. Mesmo assim, a pressão ainda existente na curva de juros americana pode ser interpretada como uma expectativa de apenas um corte de juros no ano. Inclusive, isso foi estabelecido pelas expectativas de alguns membros do FOMC na última reunião.

A Europa ficou agitada nas últimas semanas em virtude da política. A direita ganhou representatividade no Parlamento Europeu e em um dos principais países do bloco, a França. Na Inglaterra, o Partido dos Trabalhadores ganhou a maioria no parlamento. Essa troca de cadeiras no cenário político elevou as tensões. Notou-se uma desvalorização do euro e a subida dos juros.

Além disso, os PMI’s de serviços e manufatureiro de junho vieram um pouco abaixo do esperado e a inflação levemente pressionada no mês. Todavia, o Banco Central Europeu optou por iniciar o ciclo de corte dos juros. A taxa de depósito foi de 4% para 3,75% ao ano.

No outro lado do mundo, a China permanece estagnada na mesma situação. Os investimentos no setor imobiliário ainda recuam mais de 10% no ano, as vendas do varejo, embora tenham vindo acima do esperado em maio, não dão sinais que poderão puxar o crescimento econômico chinês e bater a meta do governo comunista. O Terceiro Plenário do partido que acontece em julho pode trazer novidades sobre diretrizes para aquecer a economia do país.

Brasil

Um BC independente é tido por muitos como uma conquista para o Brasil. Mas pelas recentes falas do presidente, ele discorda. Desde o final de maio e ao longo de junho, o líder do poder executivo brasileiro atacou diversas vezes a condução da política monetária do país e reiterou seu compromisso com as políticas sociais, usualmente ligadas a maiores gastos.

Criou-se uma tensão enorme no mercado que só foi aliviada em partes após a decisão unânime do COPOM em manter os juros. Todavia, o estrago estava feito. A falta de comprometimento fiscal do governo ficou evidente e as expectativas de inflação seguiram sendo revisadas para cima. Na economia, risco chama mais prêmio e, portanto, os juros futuros saltaram mais de 60 p.b. no mês. O movimento foi insuficiente para segurar o investidor estrangeiro e o dólar bateu nos R$5,70.

Diante disso, o saldo do investidor estrangeiro está negativo em R$40 bilhões, os fundos locais têm a menor alocação em bolsa desde o pico da crise de 2015 e os juros reais em alguns vértices passam de 6,5%. O receio é que este cenário possa começar a comprometer o crescimento de 2025.

 Conclusão e comentários

A preocupação do mercado paira sobre a indicação do próximo presidente do Banco Central, que se alinhado com o governo, acabaria com a independência da instituição e abriria a possiblidade de termos um BC mais leniente com a inflação. Esta leniência está indicada no último Relatório Trimestral de Inflação (RTI) no qual a instituição baixou a régua para o juro neutro e reduziu o hiato de produto (diferença entre PIB realizado e PIB potencial). Não reconhecer uma economia mais aquecida pode levar a uma condução equivocada da política monetária.

Traduzindo para uma linguagem mais coloquial: poderemos ter uma inflação mais alta e um crescimento menor, porque o governo não controla seus gastos. Assim, ele precisaria se endividar e o Banco Central poderá ignorar alguns dados para seguir a retórica política.

Desta forma, as palavras do presidente da república derrubaram o valor do real e a cotação das ações. Ainda tivemos mais um conselheiro entregando o chapéu na Vale por interferência política e informações que João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT e preso na Lava-Jato, estaria por trás das indicações de diretorias na Petrobrás. A Medida Provisória que limitava o uso de créditos do PIS/COFINS também alterou o humor do mercado e minou a confiança no governo. Sem cortes de gastos, inflação desancorada e ruídos políticos por todo lado, não temos como negar que pesa sobre o mercado brasileiro são as questões internas. Mas que as oportunidades para os pacientes ou corajosos estão ali.