O período de clausura potencializou o já atávico acesso às redes sociais. E o establishment da formação de opinião, infelizmente, tem um de seus principais alicerces nas fake news. E cá se diga que o filtro dos frequentadores das redes não é nem um pouco criterioso, especialmente em razão de que os grupos são constituídos por seus iguais e não há interesse sincero de aferição de veracidade.
Na esteira das fake news, circula, por exemplo, informação de que Bill Gates é o financiador dos inventores do coronavírus, que teria sido criado em laboratório juntando o vírus da SARS original com trechos do HIV. É evidente que isso é mentira!
Mas a solução que está sendo implementada na tentativa de “controlar” as fake news acaba por tornar o poder ciclópico das gigantes da internet do Vale do Silício ainda maior. Facebook, Google e Twitter começaram a exercer poder de censura prévia. Ora, a ação gera uma responsabilidade amazônica e inquietantes reflexões. Terão as empresas verdadeira isenção para executar o filtro prévio das notícias? O histórico, com comprovado vazamento de informações pessoais a empresas – sedentas por tais dados para traçar o perfil do consumidor –, poderá interferir no exercício dessa nova prerrogativa/dever?
Não há nenhuma dúvida de que as empresas que exercem o monopólio do controle de quase toda conversa online – ao menos ocidental – são, hoje, o maior poder instituído do mundo. Sim, maior do que os americanos, chineses ou as forças invisíveis do mercado! A aquisição do Instagram e do WhatsApp pelo Face e do YouTube, pelo Google, fortaleceu esse monopólio.
O Direito, especialmente na Europa, tem reagido ao vazamento de dados relativos às vidas pessoais de milhares de pessoas que Zuckerberg confessou ter autorizado.
Recente lei aprovada pela comunidade européia –Digital Single Market – prevê que plataformas não poderão fazer uso, sem consentimento, de trabalhos que têm sua propriedade intelectual protegida. Isso quer dizer, por exemplo, que Google e Facebook terão duas opções: ou pagarão pelo uso e exibição de trechos de reportagens em suas plataformas ou passarão a mostrar somente aquelas que têm a autorização por seu criador.
Nietzsche dizia que o mundo se divide entre as pessoas que seguem o seu desejo e as que seguem o desejo dos outros. As primeiras são fortes e as segundas são fracas. As redes sociais minam o pensar reflexivo e apagam personalidades autênticas como num jogo de boliche com intermináveis strikes. E, ao mesmo tempo que reduzem o exercício da opinião independente, pois geram uma repetição da “vontade da manada”, vomitada diuturna e freneticamente nos grupos de WhatsApp, também vociferam aos que não atendem o perfil da maioria, aprofundando a crise psicanalítica que já vitima de forma acachapante a humanidade, multiplicada no período de clausura do coronavírus. Mas como disse Fernando Pessoa “Sou o intervalo entre o meu desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim”.