COLUNA

Adultização: Quando a Coragem de Um Expõe a Omissão de Muitos

Vivemos em uma era onde as causas só ganham valor quando se tornam virais

Mãe aplica maquiagem em sua filha em um ambiente doméstico, com uma câmera em foco.
Imagem: Freepik

Nos últimos dias, um vídeo do influenciador digital Felca viralizou nas redes sociais ao tratar de um tema urgente e, até então, negligenciado: a adultização de crianças. O termo se refere à exposição precoce de meninas e meninos a comportamentos, padrões estéticos, pressões sociais e responsabilidades típicas da vida adulta. O fenômeno, embora conhecido por muitos, era silenciado por quem deveria agir: instituições, autoridades e até mesmo parte da sociedade.

O que impressiona é que foi necessário um jovem de 26 anos, sem cargo político ou obrigação formal, para trazer à tona uma realidade que se normaliza de forma perversa. Felca apontou o óbvio — e o óbvio, quando dito com coragem, se torna denúncia. Sua fala rompeu o muro da conveniência, desnudando a hipocrisia de uma estrutura que só se move quando o holofote da opinião pública a obriga.

A partir da repercussão, dezenas de projetos de lei foram protocolados. Subitamente, políticos se tornaram sensíveis, preocupados e atuantes. Não por iniciativa ética, mas pela oportunidade de capitalizar sobre uma pauta agora popular. A coragem de um virou palco para o oportunismo de muitos.

Vivemos em uma era onde as causas só ganham valor quando se tornam virais. E, uma vez populares, são transformadas em moeda: econômica, política e até religiosa. A indignação seletiva tornou-se estratégia de marketing; a empatia, quando existe, é frequentemente performática.

Felca não apenas teve percepção e inteligência — qualidades que muitos possuem —, mas também a coragem de falar quando o silêncio era a regra. Foi essa coragem que rompeu a inércia institucional e expôs a estrutura de conveniências que protege a inação. Ele demonstrou, com clareza, que sem coragem, todo conhecimento é estéreo; sem empatia, toda crítica é vazia.

Este episódio nos obriga a refletir: por que esperamos que alguém se sacrifique para só então agirmos? Por que o escudo de um precisa preceder a responsabilidade de todos?

Adultizar é tirar a infância, mas silenciar diante disso é tirar a humanidade. E quando a justiça demora a agir, resta à sociedade reconhecer e valorizar quem ousa falar — antes que seja tarde demais.