Família observa pela janela com grades, dentro de um abrigo escuro. Atmosfera tensa e curiosa.
Imagem: Google Gemini

Dizem que felicidade eterna não existe, apenas momentos felizes. A paz é igual. Desde que os dinossauros passaram o bastão pro ser humano, não houve um único momento de paz duradoura na terra. E não adiantou toda aspirante a Miss dos anos 80/90 dizer que seu maior desejo era a paz mundial, não rolou. 

Me baseio em fatos. Você sabe quantos conflitos mundiais estão acontecendo neste momento no mundo? Segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, no final de 2024 existiam 120 conflitos armados, envolvendo 60 dos 193 Estados reconhecidos pelas Nações Unidas, ou seja, cerca de 30 % dos países do mundo estão em algum tipo de conflito armado. De dezembro de 2024 pra hoje muita coisa mudou, pra pior, claro.

Pensa que estamos falando das guerras declaradas, mas a verdade é que existem muitas outras guerras. As pouco silenciosas guerras do dia a dia, como as guerras de narrativas e do discurso político forçando a polarização, a pior em número de baixas que já aconteceu entre familiares e amigos desde a divisão de bens depois da morte dos patriarcas ou a escolha do local e cardápio do próximo encontro. Quem não foi banido, foi ferido, e descobrimos que nossa bandeira, nunca será branca.

A guerra dos torcedores de times opostos é uma que me intriga. O torcedor de um time de futebol por exemplo, que é uma, teoricamente, forma de lazer, descontração e união. Na prática, uma encheção de saco se perdeu, se ganhou, se empatou, onde todo juiz é ladrão ou amigão, depende do resultado, assim como o jogador, o treinador, o dirigente. O conflito que começa com a pegação de pé pelo resultado ruim e termina em pancadaria e ofensa, é uma guerra onde os soldados torcedores lutam, se machucam, e quem sai ganhando, sempre, são os cartolas.

Tem as guerras étnicas, cheias de birra e provocação, como a entre brasileiros e argentinos, catarinenses e gaúchos, cariocas e paulistas, de quem é de porto alheeeegre e quem é da seeera gaucha (leia com sotaque de gringo), de quem fala agnolini e quem fala capeletti. A implicância não tem limites, e de ingênuos memes, imitação de sotaque e piadas nada inocentes pode, nos casos mais graves, virar xenofobia e criar ilusão de superioridade. 

Os moradores de Barcelona declararam guerra aos turistas que invadiram seu território, contra atacando com o grupo de infantaria avançada de pistolas de água, desmanchando as chapinhas, makeup e roupa elegante dos bonitos preparados pra selfies e lives. Eles pedem que o inimigo saia de suas trincheiras pois o bombardeio do valor do aluguel de temporada deixou a população invadida sem lugar pra morar.

Tem guerra no mar entre os surfistas locais e de fora, entre surfistas e pescadores, entre pescadores e ecologistas, entre ecologistas e poder público e interesses imobiliários e comerciais, e dos interesses com qualquer pessoa que queira pensar no futuro do planeta.

No final de semana  presenciei várias guerras em grupos de Whatsapp que faço parte, um mais louco que o outro. Teve chute pontapé e bomba pra tudo que é lado, sem Domo nem escudo de ferro anti palavras que contivesse o fogo amigo. Os assuntos: futebol, machismo e planos de dominação do mundo. Meu veredito: a guerra está para o ser humano assim como a paz está para a ficção científica. 

A gente nunca vai ter paz porque o homem nasceu pensando em dominar. O filho nasce querendo a mãe só pra ele, e dali em diante, nem o céu nem o brinquedo do irmão é o limite. Cheguei a pensar que, talvez, se o mundo fosse conduzido por mulheres seria mais pacifico, mas lembrei da Margaret Thatcher e minha teoria desmoronou.

Se a pessoa nasceu zen, ela logo vai ser induzida a lutar. Ela aprende que ser guerreiro é ter valor, que encarar o outro (insira aqui quem) como seu oponente é motivo de orgulho, de força e de sucesso na vida. Paaaaara o mundo ali em Woodstock ou no Vale da Utopia que eu quero descer.

O meu avô, que nasceu durante a Primeira Guerra Mundial, passou pela Revolução Russa onde perdeu os pais e sobreviveu à Segunda Guerra Mundial com minha avó, mãe e tios, dizia que o amor dele pelo Brasil era principalmente pela paz, porque aqui não tinha guerra. Eu acho que aqui era mais fácil para ele não pensar nos traumas de tudo que viu e viveu, acrescido do amor pela cerveja, churrasco, amigos e pescaria na praia. 

Mas ele estava pensando era na guerra barulhenta, que mata com estardalhaço, a influencer das guerras. A guerra mais perigosa e que sempre dominou o mundo, a coach das guerras, essa é silenciosa, com estratégias de maldade, dominação e exploração financeira. Cheia de esperança, a frase de que “Ninguém ganha com a guerra” esqueceu de toda indústria que cria, movimenta e lucra com os conflitos.

Confesso, já entrei em várias guerras; em algumas achando que eu tinha razão, em outras porque invadiram meu território, mas nunca entrei achando que eu poderia ter feito algo errado. Já declarei guerra a desconhecidos, família, amigos, vizinhos, patrão, deuses imaginários e a mim mesma. Nenhuma foi justa para nenhum lado e nenhuma valeu a pena.

Hoje estou em guerra só com o lado medíocre do mundo. Criei meu bunker, mas não é pra ser sobrevivente caso o mundo acabe pela mudanças climáticas, armas nucleares, vírus, ou outra praga. Por enquanto, só quero me proteger do inimigo que eu e minha espécie toda nos tornamos.