Imagem: Google Gemini
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A escravidão não acabou. Apenas trocou de roupa. Saiu da senzala e vestiu terno, jaleco, toga e batina. Tornou-se elegante, sofisticada — e por isso ainda mais perigosa. Acreditamos estar livres, mas seguimos presos a sistemas que nos dão a ilusão da escolha, enquanto nos conduzem pelo interesse do mais forte, do mais esperto e do mais hipócrita.

Acreditamos ter conquistado a liberdade, mas, na verdade, apenas mudamos de senhor. Às vezes se chama lucro, outras vezes status, poder técnico, doutrina corporativa ou interesse institucional. A sua corrente já não é de ferro, mas de necessidade forjada, de escolhas pré-fabricadas, onde optamos sem ter opção real.

A opressão se disseminou. Está na medicina seletiva, onde o paciente virou cliente e número de convênio. A saúde virou produto. O doente, um dado em planilha. Ocorre na advocacia, onde a conciliação — tão nobre, humana e racional — é muitas vezes desprezada porque não gera honorários. O litígio é mais vantajoso. A verdade não interessa tanto quanto o rito. E o tempo da justiça já se converteu em capital. Percebemos na indústria farmacêutica, onde o remédio simples e eficaz é descartado porque a patente não protege fórmulas simples, que são fáceis de manipular. A rota mais curta não interessa. O que vale é o que complica, encarece e protege interesses.

Aparece também na educação universitária, que estende cursos não para ensinar, mas para reter alunos e manter o caixa. Está ainda nas licitações públicas, criadas para assegurar a transparência, mas moldadas por uma engenharia política que, em nome do zelo, multiplica os custos e dificulta o acesso. O que era para economizar, onera. O que era para moralizar, mascara. Acontece nos púlpitos, onde a fé se tornou espetáculo: a cruz foi trocada pelo microfone, o altar pela vaidade, a pregação pelo lucro. Está nas “Big Techs” que se nutre do conflito, fomenta a polarização, instiga a discórdia — porque a verdade não vende tanto quanto o escândalo. Em certos políticos, onde doações são feitas com dinheiro público como se fosse generosidade pessoal. Aplaudimos, votamos de novo e perpetuamos o populismo disfarçado de bondade.

Vivemos sob uma tirania estratégica. A escravidão moderna se disfarça de escolha, mas não há liberdade quando tudo já foi manipulado para nos conduzir ao mesmo destino. Na verdade, habitamos uma prisão sem grades — onde a alma continua em cativeiro.

O mais alarmante? Aceitamos isso com naturalidade. Chamamos de eficiência o que é exploração. De meritocracia, o que é privilégio. Estamos submetidos a um cativeiro moral, institucional e psicológico. A verdadeira liberdade não está em discursos, mas na coragem de romper com o cinismo institucionalizado, de recusar sistemas que degradam em nome da ordem, do lucro ou da fé. Enquanto não despertarmos, seguiremos aplaudindo nossos opressores — acreditando, ironicamente, que somos livres.