É um paradoxo brutal, mas a cidade que acaba de sediar o South Summit, um evento global que respira inovação e futuro, é a mesma que, diante da catástrofe, se viu dependendo do mais básico dos artefatos: o saco de areia para tentar conter a enchente. Essa dicotomia gritante expõe uma verdade incômoda: nossa busca frenética por tecnologia de ponta muitas vezes obscurece, ou pior, atrasa a implementação de ações fundamentais e de baixa tecnologia que poderiam ter salvado vidas e patrimônios.
De um lado, celebramos avanços em inteligência artificial, energias renováveis e o conceito de cidades inteligentes. Investimos pesado em eventos como o South Summit, atraindo olhares do mundo todo para nosso potencial de progresso futurista. Isso é, sem dúvida, crucial para o desenvolvimento econômico e para posicionar nossa região como um polo da nova economia.
A Realidade por Trás da Inovação
No entanto, enquanto a água subia, nos vimos recorrendo à mais antiga das defesas contra inundações: o humilde saco de areia. Não se trata de desmerecer o esforço hercúleo de voluntários e equipes de resgate, que incansavelmente encheram e posicionaram esses sacos. A dedicação deles é louvável. Como uma cidade tão à frente em suas aspirações pode estar tão despreparada para um fenômeno natural básico e recorrente?
O custo desse desequilíbrio é imenso, medido não apenas em perdas econômicas, mas em sofrimento humano, desalojamentos e na erosão da confiança. Cada evento de enchente nos joga para trás! Desviando recursos de outros serviços públicos essenciais e deixando cicatrizes profundas em nossas comunidades.
Desenvolvemos modelos sofisticados de previsão do tempo mundo a fora, contratamos estes processos, mas falhamos em expandir adequadamente nossos sistemas de drenagem. Criamos aplicativos na quantidade de estrelas no céu, mas temos dificuldade em implementar sistemas de alerta eficazes que cheguem a todos de forma unificada em áreas vulneráveis.
Discutimos infraestruturas inteligentes e sistemas interconectados, enquanto nossas barreiras de contenções básicas dependem de sacos de areia, de bombas de escoamento e um planejamento urbano resiliente que parece ser pouco eficiente.
Não é apenas uma questão de falta de recursos; é, muitas vezes um desalinhamento de prioridades. As soluções “glamurosas” de amanhã frequentemente recebem mais atenção e financiamento do que o trabalho de capina da cidade. É a utopia !
Priorizando o Presente para um Futuro Sustentável
A busca por inovação é vital, mas ela precisa estar ancorada na realidade de nossos desafios mais imediatos. A tecnologia deve servir para aprimorar, não para substituir, a preparação e a infraestrutura básica. Talvez a maior inovação de que precisamos agora seja a vontade política e a inteligência coletiva para priorizar as ações fundamentais que garantem nosso presente, para que possamos, de fato, construir um futuro melhor.
Este texto não tem a intenção de ser uma crítica política, pois o cenário político em nosso país e a forma como ela está estruturada, não será resolvida neste texto. Também não tenho aqui a pretensão de fazer uma reflexão tecnológica sobre as cidades inteligentes, mas é inevitável a comparação entre a realidade e a ficção. Entre a vida real e a vida virtual!
Me passa muito mais pela ideia de ser um problema cultural, temos um carro, mas sempre queremos ter aquele outro que ainda não temos! Temos ferramentas para fazer um trabalho básico diante de algum problema e entregar um resultado satisfatório, mas queremos as ferramentas que não temos para entregar um trabalho que não será possível!
Queremos o sistema contra enchentes da Holanda, mas não somos Holandeses. Queremos as IA’s do Vale do Silício, mas dependemos dos carimbos e folhas assinadas. Nossas cidades recebem eventos de tecnologia aos montes, mas o bueiro está entupido!