Memória LEOUVE

Somos todos estupradores?

Somos todos estupradores?

Tão chocante quanto o estupro de uma jovem de 16 anos, que teria envolvido mais de 30 homens no Rio de Janeiro e tão chocante quanto os vídeos que mostram seus ferimentos e foram postados na internet, foi a reação de gente que se divertiu nas redes sociais e a capacidade de outros que culparam a própria vítima pelo crime.

 

Sim, crime, porque mesmo que o estupro fosse considerado crime contra a honra até 2009, é crime. E um dos mais hediondos.

 

No mesmo dia fato, outra garota, também de 16 anos, foi estuprada por cinco covardes na cidade de Bom Jesus, no interior do Piauí. E outras várias, aqui, ali e acolá, foram estupradas no mesmo dia, e estão sendo violentadas agora, enquanto falo com vocês.

 

Porque hoje, mais ou menos 50 mil casos de estupro são registrados por ano no Brasil, e isso mostra que acontece um estupro a cada 11 minutos.

 

E o pior é que isso representa mais ou menos 10% do número real de casos. Porque ainda hoje o estupro é um dos crimes menos notificados do Brasil, porque a mulher que é violentada muitas vezes deixa de denunciar, com medo, com vergonha e até mesmo com receio de serem culpadas pela violência sofrida.

 

Mas é preciso entender que, quando permitimos que mulheres sejam estupradas dia após dia, é a dignidade de todas as mulheres e também dos homens civilizados que é agredida e negada.

  

Porque somos nós que falhamos profundamente como sociedade em garantir um dos direitos mais fundamentais.

 

O problema é que a gente ainda vive em uma sociedade que garante o estupro como um instrumento violento de poder, de dominação e de humilhação. Uma sociedade que ainda trata as mulheres como objetos descartáveis à disposição dos homens.

 

Porque, nós, homens, somos sim os inimigos, criados em ambientes que alimentam o machismo, como a família, as igrejas, as escolas e a propaganda.

 

Somos inimigos até que a gente aprenda a ser o contrário.

 

Mesmo assim, dizer que todo homem é capaz de cometer essa barbárie seria atenuar a culpa dos verdadeiros criminosos, seria igualar todos a monstros sem caráter, seria culpar apenas um ambiente cultural e não a desumanidade do crime.

 

Mas é preciso também, e de uma vez por todas, questionar as razões culturais que, se não levam ao ato desumano, contribuem para que uma espécie de estupro velado, sem a violência física, seja perpetuado nas relações sociais.  

 

Porque somos todos estupradores, quando ensinamos nossos filhos a valorizar uma mulher pela sua aparência, quando consumimos qualquer coisa pelo apelo do corpo da mulher, quando não repudiamos o uso da mulher como um objeto, quando não ensinamos, e praticamos, o respeito que toda a mulher merece.

 

Somos todos estupradores quando rimos da piada machista, quando achamos que a mulher deve ser bela e permanecer recatada no lugar, quando não entendemos que o lugar da mulher é onde ela quiser, quando não defendemos que a mulher seja senhora de sua vontade, quando não aceitamos que o amor só existe na reciprocidade e que o sexo só acontece no consentimento.