Memória LEOUVE

O sincericídio do senhor secretário

O sincericídio do senhor secretário

O surto de sincericídio do nada anjo secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Giovani Feltes, diante de empresários de Carlos Barbosa esta semana é uma mostra definitiva sobre até que ponto a nossa política tupiniquim – aqui, no estado e no planalto central desta república de bananas – está atolada até o pescoço na lama da imoralidade.

 

É mesmo preciso acabar com a hipocrisia, como revelou Feltes, e dar o nome a todos esses bodes mortos no meio da sala de governos e parlamentos e banir definitivamente da vida pública gente que reafirma essa prática a cada eleição.

 

Gente como Feltes e como tantos e tantos outros, que não são anjos, que nunca perdem uma eleição e que não sabem dizer não a um simples caixa dois. Quem nunca? – não é, senhor secretário?

 

Mas, ao que parece, a confissão do homem que se auto-homenageou com dinheiro público na cidade que administrou, que produz provas irrefutáveis contra si próprio, não fez cócegas na estrutura do governo; e ele segue inabalável no alto da arrogância de quem pode zombar da imprensa e, principalmente, dos eleitores.

 

Foi uma declaração infeliz, só isso. Afinal, a excelentíssima autoridade disse o que todos estão cansados de saber, e nem corou ao pedir que a plateia engolisse em seco e que ninguém ligasse o ventilador. Só que não. Ali havia uma jornalista de um pequeno jornal do interior, formada há pouco, mas que mostrou todo talento, tarimba e discernimento pra não deixar escondido o que deve ser escancarado.

 

Porque, do contrário, a gente acaba aceitando tudo como se fosse mesmo normal.

 

Não é a toa que o Congresso tentou vergonhosamente passar uma anistia ao caixa dois, porque todo mundo faz e porque não mexe nisso senão a casa cai, criando uma tosca desculpa moral pra justificar uma prática condenável mas absolutamente comum entre os políticos, e tentando convencer a nós, os botocudos, de que há necessidade de recomeçar tudo do zero, mesmo com esses que estão aí.

 

Como se passar uma borracha em um passado de pecados pudesse limpar o caráter de pecadores comuns.

 

O problema é que a hipocrisia de Feltes e companhia tenta esconder que o que a gente convencionou chamar de caixa dois junta num só balaio práticas e delitos diferentes, desde uma mera gambiarra fiscal, uma simples sonegação, até o desvio de dinheiro, a corrupção, a troca de favores e o enriquecimento ilícito.

 

Pra não falar em coisa muito pior.

 

E essa coisa é ainda mais complicada quando se olha para a origem desse dinheiro, que pode ser o superfaturamento da obra pública, o dízimo da igreja neopentecostal, a lavagem do dinheiro da propina ou do tráfico de drogas, por que não?

 

A verdade é que, se ninguém gritar, são eles que acabam elegendo esses que nos representam, que de anjos não tem nada.

 

Por isso, é preciso de uma vez por todas, senhor secretário, entender que o dever ético da honestidade não vem da moral convencional e não depende de quem está olhando, mas precisa ser uma decisão inabalável, que não mude conforme o vento, que não dance conforme a música, que não tenha preço por uma eleição, mas que se imponha por causa de valores, mesmo que eles estejam fora de moda.