Memória LEOUVE

O cheque em branco das cancelas

O cheque em branco das cancelas

Pouco menos de três anos depois que o ex-governador Tarso Genro levantou simbolicamente uma cancela da praça de pedágio de Farroupilha, lá em maio de 2013, num gesto que marcou oficialmente o fim do modelo dos pedágios privados no estado, hoje, neste dia 3 de maio de 2016, um novo projeto de concessões para empresas privadas patrocinado pelo governador José Ivo Sartori deve ser votado na Assembleia Legislativa do estado.

 

O governador entrou em campo e jogou pesado pra tentar convencer os aliados pra aprovar o projeto ainda hoje. Sem papas na língua, Sartori disse aos deputados da base governista que não há outro jeito de consertar as rodovias, que estão ficando cada vez mais intransitáveis.

 

Na verdade, o que Sartori está propondo é uma espécie de “escolha de Sofia” aos gaúchos: ou aceita o pedágio ou terá de conviver com estradas esburacadas e sinalização precária. Porque o dinheiro do orçamento não dá nem pra um tapa-buracos, e as únicas obras que ainda resistem nas estradas gaúchas usam dinheiro conseguido por empréstimo pelo governo anterior.

 

Mas o problema é ainda maior porque o governo quer receber um cheque em branco dos deputados, uma vez que o projeto em votação hoje não define critérios claros para a escolha dos trechos que serão cobrados, nem as obras que deverão ser executadas ou nem mesmo os índices pro reajuste das tarifas. Sem contar que a ideia é fechar contratos com 30 anos de duração e com tarifas definidas por licitação.

 

Pra se ter uma ideia, dos 7 mil quilômetros de estradas asfaltadas do estado, pelo menos 2,5 mil km poderiam ser concedidos, me disse ontem em Caxias do Sul o diretor do Daer, Ricardo Nuñes, que garantiu que o pedágio entre Caxias e Farroupilha não volta, mas não disse que outro pedágio não será instalado na região.

 

Eu falei também com o presidente da Associação de Usuários de Rodovias Concedidas (Assurcon), David Vicenço, que é contra a proposta do governo. Ele alega que os postos serão concedidos a empreiteiras, e que elas estarão livres para definirem valores e contratos por três décadas.

 

O tema é mesmo particularmente sensível, porque envolve direitos básicos dos cidadãos. Pra nós, gaúchos, é ainda mais delicado porque ficamos traumatizados com a polêmica dos polos criados no governo de Antonio Britto em 1998, que nos condenou por 15 anos a pagar caro pra andar por estradas de pista simples, sem manutenção e muitas vezes até sem acostamento.

 

Mas é preciso levar em conta que o estado está falido e não tem dinheiro nem pra tapar buracos, quanto mais pra fazer investimentos, e conceder rodovias pode não ser assim tão ruim: basta se cercar de cuidados pra garantir que o interesse público seja preservado, e não entregar uma carta branca pra locupletar empresários gananciosos.

 

Esse deve ser o pensamento dos deputados hoje, e a decisão que eles tomarem terá exatamente essa leitura: ou somos nós que definimos o que queremos, ou seremos novamente vítimas de um sistema que nos oprime e explora toda vez que a cancela se fecha.

 

 

O certo é que estamos mesmo numa encruzilhada: se correr, o pedágio pega; se ficar, o buraco come.