Memória LEOUVE

Familiares de detentos denunciam que 'prefeitura' comanda presídio de Bento

Familiares de detentos denunciam que 'prefeitura' comanda presídio de Bento

Uma “prefeitura” instalada dentro do Presídio Estadual de Bento Gonçalves. Desta maneira, ex-detentos e familiares de presos se referem a uma espécie de poder paralelo que comanda os apenados na área interna da penitenciária encravada no centro da cidade. De acordo com as denúncias, a situação é “terrível”. Haveria armas artesanais circulando livremente e um comércio de drogas e de alimentos estabelecido dentro do presídio.

 

Ameaças, agressões, extorsão e chantagem seriam as formas de pressão adotadas pelo comando para coagir outros detentos. Os presos que fazem parte do esquema têm acesso a regalias, televisores, celulares e outros benefícios, como alimentos que não são permitidos que entrariam no presídio livremente.

 

“A prefeitura faz o que quer dentro da galeria. Eles mandam dentro da cadeia, facas e drogas rolam solto lá dentro, presos pagam pela droga vendendo pra eles, e os presos apanham muito”, afirmou uma mulher que tem um familiar cumprindo pena e que se diz ameaçado pela prefeitura, que não quer se identificar por medo de represálias.

 

O medo e o silêncio fazem parte da rotina de diversos familiares de detentos que procuraram a reportagem do Leouve. Segundo eles, diversas vezes os fatos teriam sido denunciados, mas até agora nada teria sido feito.

 

O comando paralelo agiria com violência e ameaças a detentos e familiares. A tal prefeitura teria iniciado a cerca de seis meses, a partir de presos que trabalham na cozinha, e seria comandada por um “prefeito”, o presidiário Fernando Laus, conhecido como Fio, e por um outro detento conhecido como Maneco.

 

A cozinha centraliza um comércio informal dentro do presídio, onde os mantimentos fornecidos pelo Estado viram moeda de troca ente os presos ou mesmo ingredientes para pizzas e outros lanches que são vendidos pelo comando aos próprios detentos e nos dias de visita.

 

De acordo com informações da  Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), que já está tomando as providências para averiguar a real situação da penitenciária, os detentos já foram afastados das atividades laborais na cozinha.

 

De acordo com outro familiar, os presos comuns não recebem toda a comida fornecida pelo Estado, e seriam alimentados com “uma lavagem que nem um animal comeria”.

 

“Quem quiser comer carne, tem que pagar. Nem café os presos têm, pois eles só apoiam quem está do lado deles”, revelou.

 

A denúncia é confirmada por um documento apresentado por agentes penitenciários do Presídio Estadual de Bento Gonçalves ao Ministério Público (MP) na segunda-feira, dia 7. Segundo o texto, o presídio recebe carne duas vezes por semana, mas os presos e os servidores afirmam que é servido apenas arroz, feijão, salada mista ou sopa para os detentos.

 

Para os familiares, a situação chegou ao limite. "Não aguentamos mais chegar no dia da visita e ver nossos filhos e esposos machucados e oprimiidos por esses sem vergonha que estão lá pra pagar cadeia como qualquer outro preso de lá", desabafou uma mulher que possui três familiares na penitenciária.

 

"Não estamos mais em condições de levar dinheiro para pagar drogas ou então pra pagar pra que eles não apanhem lá dentro. Quero que os presos paguem pra Justiça, e não pros bandidos como eles", revelou uma jovem que tem o irmão preso na casa prisional.

 

As acusações dos familiares apontam que a direção do presídio conhece o problema, o que é confirmado pelo documento dos agentes penitenciários. Alguns vão mais longe e afirmam que a “prefeitura” teria sido criada por ordem do diretor da penitenciária, Evandro Simionatto, que nega todas as denúncias de irregularidades.

 

"Eles (a administração do presídio) largaram tudo na mão desses sem vergonhas e covardes. Já foram feitas várias denúncias e nada foi resolvido", afirmou um homem que tem um familliar cumprindo pena.

 

De acordo com Simionatto, tudo é feito conforme as normas da Susepe. Para o administrador, a situação é tranquila, apesar da superlotação. Atualmente, o presídio, projetado para receber 96 presos, conta com mais de 240 apenados.

 

De acordo com o promotor criminal Gilson Borguedulff Medeiros, o Ministério Público (MP) solicitou providências à Vara de Execuções Criminais na sexta-feira, dia 4, mas, como na segunda-feira, o documento assinado pelos servidores do presídio foi protocolado no MP, a promotoria reavalia a questão. Na manhã desta quarta-feira, dia 9, a promotoria publicou uma nota oficial sobre os fatos (leia a íntegra abaixo).

 

No documento dos agentes penitenciários, as denúncias são ampliadas. "Existem evidências e indícios fortes sobre a forma negligente e omissa como vem sendo conduzida a atual administração do Presídio Estadual de Bento Gonçalves", afirma o texto.

 

Medeiros afirmou que ainda aguarda uma posição da Susepe, que deve se manifestar nos próximos dias.

 

 

Confira na íntegra a nota da Promotoria

 

Acerca das recentes notícias de irregularidades administrativas – problemas com servidores, cantina ilegal, sistema paralelo de administração – denominado prefeitura – no âmbito do Presídio Estadual de Bento Gonçalves, o Ministério Público informa que, após coleta de dados, já havia ajuizado, em 04/11/2016, Pedido de Providências perante a Vara de Execuções Criminais da Comarca e em face do estado do Rio Grande do Sul/SUSEPE, notadamente apuração dos fatos, para responsabilização e adoção de mecanismos para regularização, sem prejuízo de outras medidas.

Posteriormente, após o ajuizamento, foi entregue, em 07/11/16, nesta Promotoria de Justiça documento assinado por servidores públicos. Assim, o Ministério Público solicitou vista dos autos, antes de qualquer decisão judicial, para juntada do documento e novos requerimentos, diante das notícias formalizadas.

Cuidando-se de matéria complexa relacionada à Justiça e Segurança Pública, os fatos são acompanhados com cautela, buscando-se a devida comprovação e identificação dos envolvidos, para providências e responsabilização.

O Ministério Público continua à disposição para receber notícias de irregularidades oriundas de presos, familiares, agentes públicos e da comunidade por meio de cartas, e-mail e atendimento presencial.

 

Bento Gonçalves, 09 de novembro de 2016.

Gílson Borguedulff Medeiros

 

Promotor de Justiça