Memória LEOUVE

Estamos todos de luto

Estamos todos de luto

A morte, mesmo sendo a inevitável companhia final para todos, é sempre um corte que não cicatriza, uma ferida que mesmo fechada segue a doer, uma dor para a qual nunca estaremos preparados. A morte é o fim de um ideal de infinitude que sempre nos acompanha em vida.

 

A morte é um final sempre precoce, que nos reduz ao que de verdadeiro somos, sem os contornos de condição social, do nome da família, das propriedades que acumulamos ou do peso da conta bancária, ou mesmo dos erros ou acertos que acumulamos em vida.

 

As religiões têm respostas às situações-limite da condição humana, em especial a morte. Isso é um consolo e uma esperança para todos os que têm fé. Mas, fora do âmbito religioso, entretanto, a morte é um acidente, e não uma decorrência normal da condição humana.

 

Esse acidente levou ontem o ex-prefeito Roberto Lunelli em um momento em que ele buscava uma redenção possível de seus erros e uma confirmação de seus acertos como uma segunda chance.

 

A vida não lhe deu o tempo exato para cumprir esse destino, e o que fica é a imagem de um homem que, até o fim, cumpria suas crenças e ideais com altivez, enfrentava seus medos e as ameaças que os legitimavam com a coragem dos homens que acreditam no seu próprio caminho.

 

Lunelli era um homem que acreditava que era possível sonhar e buscar esse sonho.

 

Esse foi o homem que conheci, por força da profissão, há menos de uma década, e que aprendi a respeitar. Um homem que vivia com entusiasmo seus projetos e desejos de construir uma vida melhor para a cidade e, principalmente, para aqueles que menos podiam. Um homem que vivia intensamente também suas derrotas, que não se eximia de suas culpas, e que não desistia.

 

Sempre conciliador e defensor do diálogo, Lunelli soube lidar com o silêncio, com a critica, com o julgamento precoce e a perda de representatividade.

 

Nesse tempo, tive a oportunidade de aplaudir iniciativas que considerava positivas e de criticar o que considerei como erros indesculpáveis. Mas sempre com o respeito e a consideração por um homem público proativo, um professor admirado, um homem comum.

 

E confesso que, em todas as entrevistas que acompanhei, o que me encantava era sua capacidade de não concentrar críticas aos adversários, permanecendo sempre aberto ao diálogo, uma capacidade de projetar um futuro possível, uma coragem de não fugir de seus erros, de assumir suas culpas e de pedir desculpas.

 

E confesso que foi difícil entender que, ao chamado do repórter que cobria o acidente fatal, era do mesmo homem a quem agora ele se referia como vítima. E, mesmo à distância, confesso que permaneci em estado de choque, custando a acreditar que sua morte fosse verdadeira.

A morte de Lunelli enfraquece neste momento o debate sobre os caminhos de Bento Gonçalves, numa época tão incapaz de produzir líderes capazes de compreender o correto funcionamento da máquina pública e priorizar o cidadão encarando as dificuldades cotidianas.

A morte de Lunelli não deve ser lamentada somente pelos familiares, amigos, alunos, correligionários e simpatizantes. Eu, aqui e agora, estendo meus pesares a todos eles, todo meu respeito e admiração.

 

Estamos todos de luto.