Memória LEOUVE

A roda de Temer e a propaganda agradecida

A roda de Temer e a propaganda agradecida

Eu confesso que nunca tinha pensado nisso, mas como será mesmo que ele conheceu a própria mulher, ou será que é mesmo verdade que ele está escrevendo um romance? Fiquei matutando isso porque essas parecem ter sido as principais questões que afligiam os jornalistas convidados pela TV Cultura para entrevistar o presidente Michel Temer nos 30 anos do Roda Viva, que foi ao ar na noite desta segunda-feira, véspera do feriado da República.

 

Alguém assistiu? Eu confesso que não esperava muito mais que afagos ao senhor presidente e uma ou duas perguntas de fundo, mas o tom absolutamente serviçal dos profissionais convidados me surpreendeu e, confesso, me fez ter uma certa vergonha da profissão que escolhi há mais de 20 anos.

 

 

Porque a maioria das questões relevantes pro país foram solenemente ignoradas. A crise, por exemplo, não passou no vocabulário dos perguntadores, e as questões mais cabeludas tiveram respostas simples do entrevistado sem qualquer contestação dos entrevistadores.

 

Tudo devidamente respeitoso e protocolar.

 

No ponto mais quente, Temer disse com todas as letras que uma eventual prisão de Lula, que é denunciado em pelo menos três processos nas esferas da Justiça federal e estadual, não seria bom nem pro país nem pro governo dele, e assumiu o lado da banda podre que o apoia no Congresso, deixando antever nas entrelinhas que não fará cara feia se os congressistas aprovarem mesmo panos quentes pras ações contra a corrupção.

 

Sem contestações.

 

Mas pra levantar a bola do presidente, os jornalistas bateram um bolão. Numa das tabelinhas, os jornalistas de plantão perguntaram várias vezes se Temer pretendia concorrer à eleição em 2018, mas ignoraram um detalhe inconveniente: é que o TRE paulista o declarou “ficha suja” e que, portanto, Temer é inelegível.

 

Mas os jornalistas não quiseram falar disso.

 

Os escrevinhadores também não acharam importante falar na delação da Odebrecht, que cita vários dos seus ministros e onde José Serra é acusado de receber R$ 23 milhões em um banco suíço, e também não citaram o cheque de R$ 1 milhão doado por uma empreiteira diretamente pra campanha de Temer.

 

Afinal, isso interessa pra quem, não é mesmo?

 

Depois, foi uma festa só, com direito a transmissão ao vivo pelas redes sociais. E foi aí que a porca torceu o rabo e que qualquer máscara acabou no chão: os jornalistas elogiaram Temer e parabenizaram uns aos outros como se comemorassem a vitória de seu time do coração no campeonato.

 

E veio o grande final: o próprio Temer, faceiro como mosca em rolha de xarope, cumprimentou a todo pela propaganda. Isso mesmo: propaganda.

 

Arrancou gargalhadas subservientes de seus subalternos jornalistas.

 

E eu, ri amarelo, e lembrei que, certa vez, o jornalista americano William Randolph Hearst disse que jornalismo é aquilo que alguém não quer ver publicado. O resto, como acertou na mosca Michel Temer, é propaganda.