DESASTRES CLIMÁTICOS

Como se formou a maior tempestade do século na Espanha

Chuvas torrenciais deixaram, pelo menos, 158 mortos, naquela que já é considerada como a pior tempestade do século no país.

Em poucas horas, caiu o equivalente a um ano de chuva em algumas áreas
Em poucas horas, caiu o equivalente a um ano de chuva em algumas áreas | Foto: BBC

A terceira maior cidade da Espanha, Valência, foi invadida por chuvas torrenciais, que deixaram pelo menos 158 mortos, naquela que já é considerada como a pior tempestade do século no país. Além dos mortos, dezenas de pessoas continuam desaparecidas nas graves inundações.

Em poucas horas, caiu o equivalente a um ano de chuva em algumas áreas, provocando grandes enchentes que devastaram cidades inteiras, deixando milhares de pessoas ilhadas. As intensas chuvas que atingiram a região foram provocadas por um fenômeno conhecido como depressão isolada em níveis altos (Dana, na sigla em espanhol), que afetou uma grande área do sul e leste do país.

Um fenômeno comum no Mediterrâneo

O termo Dana começou a ser usado pelos meteorologistas espanhóis há algumas décadas para diferenciar o fenômeno da chamada “gota fria”, expressão mais genérica e que costuma ser utilizada para se referir a qualquer situação de chuva intensa e abundante, sobretudo na costa mediterrânea da Península Ibérica durante o outono.

A Dana é um fenômeno em que uma massa de ar polar muito fria fica isolada e começa a circular em altitudes muito elevadas (entre 5.000 e 9.000 metros), longe da influência da circulação da atmosfera.

Então, quando colide com o ar mais quente e úmido que normalmente está presente no Mar Mediterrâneo, gera fortes tempestades, especialmente no fim do verão e início do outono, quando as temperaturas do mar estão mais elevadas.

Este fenômeno pode durar vários dias — e é acompanhado por uma queda nas temperaturas, uma atmosfera bastante instável e fenômenos meteorológicos extremos, como estamos vendo atualmente na costa leste da Espanha.

Diferentemente de uma tempestade comum, que se desloca para o leste, a Dana pode permanecer parada no mesmo local por vários dias ou até mesmo se deslocar para o oeste, de acordo com a Agência Meteorológica Espanhola (Aemet, na sigla em espanhol).

Historicamente, a Espanha registrou Danas que são lembradas por suas consequências destrutivas, como a de 1973, que atingiu Almeria, Granada e Múrcia, no sudeste do país, provocando muitas mortes e perdas materiais.

A Aemet classificou a atual tempestade como “a mais adversa do século na Comunidade de Valência”.

Relação com aquecimento global

O aumento progressivo da temperatura do Mar Mediterrâneo facilita a criação de condições para que haja a energia e umidade necessárias para o desenvolvimento de uma Dana mais potente.

O ar quente e úmido na superfície do mar sobe rapidamente, dando origem a nuvens altas e imponentes que são levadas para a costa, provocando grandes quantidades de chuva. Os pesquisadores afirmam que as mudanças climáticas afetam diretamente a quantidade de chuva que essas nuvens carregam — um aumento de 7% para cada 1°C de aquecimento.

No ano passado, um estudo da Sociedade Americana de Meteorologia constatou que houve um aumento nas Danas desde a década de 1960 em escala global. Além disso, quando a chuva começa a cair, ela cai com mais intensidade em solos que não são mais capazes de absorver altos níveis de água.

Há também um debate entre os cientistas sobre se um mundo mais quente torna essas tempestades mais lentas, o que exacerbaria a quantidade de chuva que elas produzem. Os cientistas afirmam que este desastre lento se tornou duas vezes mais provável devido às mudanças climáticas.

Na Espanha, a falta de alertas precisos levou a críticas de que poderia ter sido feito mais para evitar a tragédia. Mas os meteorologistas dizem que prever a rota de tempestades intensas e rápidas é uma tarefa muito complicada.

Um problema que a inundação na Espanha evidenciou é a incapacidade da infraestrutura moderna de lidar com eventos extremos de inundação. Como alguns pesquisadores destacaram, nossas estradas, pontes e ruas foram construídas para lidar com o clima do século passado, não com o atual.