
“Che lingua parla tu?” (Que língua você fala?). A pergunta ecoava entre os imigrantes italianos que chegaram à Serra Gaúcha no século 19. Vindos de diferentes províncias, trouxeram modos distintos de falar e, na convivência, criaram uma síntese única: o Talian. Essa língua comunitária, formada a partir de cerca de 15 dialetos do Vêneto, Trento e Piemonte, tornou-se símbolo da cultura e da identidade regional.
O professor João Tonus, pesquisador da Universidade de Caxias do Sul, explica que o Talian foi oficialmente reconhecido em 2014 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), órgão federal responsável por preservar e valorizar bens culturais de relevância para a memória brasileira. “Esse reconhecimento foi fundamental para legitimar o Talian como parte do patrimônio cultural do Brasil. Ele deixou de ser visto apenas como um dialeto e passou a ocupar um espaço de referência nacional”, afirma Tonus.
A consolidação da língua aconteceu no isolamento das primeiras colônias da Serra Gaúcha. Ali, famílias de diferentes origens aprenderam a aceitar variações, incorporaram palavras do português e firmaram uma forma própria de comunicação diferente até do italiano falado em Roma. “O Talian é resultado da convivência e da adaptação. Ele nasceu da necessidade de comunicação entre imigrantes que falavam dialetos distintos e acabou se transformando em um elemento de identidade coletiva”, explica o pesquisador.
Durante décadas, o Talian foi a língua predominante nas comunidades do interior. Até os anos 1920 o português quase não era utilizado nas colônias. Segundo Tonus, esse isolamento inicial garantiu a preservação do idioma. Em regiões como São Paulo, onde imigrantes atuavam em cafezais e fábricas, a língua se perdeu. Já na Serra Gaúcha, o Talian transformou-se em capital cultural.
A Evolução e a Escrita do Talian
A evolução também ocorreu na escrita. Desde a publicação do “Nanetto Pipetta” em 1924 até os acordos ortográficos dos anos 1990, escritores como Aquiles Bernardi e Rovilho Costa padronizaram grafias e consolidaram uma gramática. Hoje, dicionários e materiais acadêmicos ajudam a manter a língua como objeto de estudo e de valorização.
Apesar da vitalidade, o Talian enfrentou períodos de repressão. Durante a Segunda Guerra Mundial o uso da língua foi proibido no Brasil. Famílias foram forçadas a adotar o português e jovens foram desestimulados a manter a herança linguística. O preconceito só começou a mudar nos anos 1970, quando o centenário da imigração italiana reacendeu o orgulho cultural e reforçou a preservação do idioma em Caxias do Sul e outras cidades da Serra.
Talian na Atualidade
Atualmente o Talian é cooficial em mais de 30 municípios da região, com destaque para Antônio Prado, Vista Alegre do Prata, Fagundes Varela e Nova Pádua, onde a compreensão da língua ainda é predominante. Iniciativas culturais como o grupo Miseri Coloni, jornais comunitários e programas de rádio também ajudam a manter viva a oralidade e a escrita. Em Garibaldi, por exemplo, pesquisas mostram que comunidades como Marcorama ainda preservam o uso cotidiano do Talian.
A tradição também encontra espaço no rádio. Um exemplo é o programa “Valdir Anzolin Canta”, transmitido pela Rádio Viva FM, que valoriza a música em Talian e reforça o vínculo das comunidades com suas origens. Estar na grade de uma emissora líder em audiência na Serra Gaúcha dá ainda mais força a essa preservação e evidencia o papel fundamental dos meios de comunicação na valorização cultural.
Para Tonus, o maior desafio está em envolver as novas gerações. A internet e a globalização afastam os jovens do convívio familiar e reduzem o uso da língua. Ainda assim, escolas da região têm buscado iniciativas bilíngues e oficinas de Talian, mostrando caminhos possíveis para a continuidade. O professor reforça: “A morte de uma língua empobrece a humanidade. Preservar o Talian é preservar uma riqueza cultural da Serra Gaúcha.”
A língua, antes vista como “dialeto de colônia”, tornou-se símbolo de resistência. O movimento atual busca políticas públicas e projetos de ensino que fortaleçam o idioma. Mais do que palavras, o Talian carrega a essência da imigração italiana: a capacidade de criar, adaptar e manter viva uma identidade que faz parte da história e do futuro da Serra Gaúcha.